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A culpa é do urubu!

Conheça as principais “defesas” das companhias aéreas para não indenizar os consumidores

Claudia Pontes Almeida | 06/08/2016 11:25

Nas relações de consumo a responsabilidade é objetiva, ou seja, não tem que se analisar se houve ou não culpa do fornecedor pelos danos causados aos consumidores, indeniza-se e ponto. Mas as empresas fazem de tudo para se eximir do dever de indenizar os prejuízos causados aos consumidores.

O posicionamento defendido pelo Idec é que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) só previu a exclusão da responsabilidade do fornecedor de serviços nas hipóteses elencadas em seu artigo 14: quando o defeito inexistir e quando a culpa for exclusiva do consumidor.

Contudo, a última minuta elaborada pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para mudar as Condições Gerais de Transporte Aéreo prevê a exclusão da responsabilidade das empresas aéreas nos casos “força maior imprevisível” ou “caso fortuito não imputável ao operador aéreo”.

Mas o que é caso fortuito ou de força maior? Segundo o artigo 393 do Código Civil, nestes casos há exclusão da responsabilidade do devedor pelos prejuízos causados ao credor. Embora a lei não faça distinção entre o caso fortuito e o de força maior, ela explica: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Em outras palavras, a ação humana jamais poderia impedir ou evitar que o fato acontecesse.

Em suas contribuições à consulta pública sobre o tema, em abril deste ano, o Idec fez a seguinte observação sobre a possibilidade de exclusão da responsabilidade das empresas aéreas nos casos fortuitos ou de força maior:

“Destaca-se que facilmente os operadores aéreos poderão esquivar-se do dever de dar assistência material aos consumidores, atribuindo a todos os atrasos e cancelamentos fatos que se enquadrem em casos fortuitos ou de força maior. “

Na verdade, o Idec foi muito modesto em sua observação, pois as empresas aéreas já justificam os seus atrasos e cancelamentos como imprevisíveis e os argumentos são para lá de criativos, mas não convencem.

O Idec constatou isso depois de uma pesquisa feita para responder a seguinte questão: quais são as situações em que as empresas aéreas utilizam o argumento de força maior para não terem o dever de indenizar?

Para responder essa pergunta, foi feita uma pesquisa das decisões sobre tema nos Tribunais de Justiça de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Alagoas, Minas Gerais, do Distrito Federal e Territórios e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ficou claro que os argumentos de “força maior imprevisível” ou “caso fortuito não imputável ao operador aéreo” são usados com muita frequência nos Tribunais para afastar o dever de indenizar, sob as mais variadas formas. Seguem sete teses de defesa para não indenizar utilizadas pelas companhias aéreas.

1-REESTRUTURAÇÃO DA MALHA AÉREA

A malha aérea é o conjunto de itinerários que as companhias aéreas se comprometem a cumprir. Essa malha é definida pela frequência de voos e o potencial de passageiros, logo, é fácil concluir que se um voo não alcançou um número de passageiros desejável a reestruturação da malha aérea entra em ação.

A restruturação da malha aérea é usada pelas empresas como uma espécie de força maior na tentativa de justificar atrasos e cancelamentos de voos não informados ao consumidor.

A justiça não tem aceitado o argumento e as decisões têm sido favoráveis aos consumidores.1

2-MANUTENÇÃO NÃO PROGRAMADA DE AERONAVE

Segurança na prestação de serviço é direito básico do consumidor e dever das empresas aéreas, mas a manutenção não programada de aeronave também não afasta o dever de indenizar.2

3 – FATORES CLIMÁTICOS

É evidente que fatores climáticos podem impedir a decolagem e ocasionar atrasos, os julgadores não discordam disso. Entretanto, o que ocorre no dia a dia das empresas aéreas é a alegação não comprovada de ocorrência desses fatores e a falta de assistência aos consumidores nessas situações. Nesses casos, os fatores climáticos não têm afastado o dever de indenizar.3

4- JORNADA DOS TRIPULANTES

Jornadas excessivas de trabalho contribuem para que os trabalhadores, exaustos, não prestem um bom serviço, em qualquer profissão, além de causar insegurança na prestação de serviço. É claro que escala de trabalho e manutenção dos direitos trabalhistas são uma obrigação inerente da empresa e não devem ser utilizadas como justificativa de força maior para se eximir da responsabilidade de indenizar os consumidores.4

5- CULPA DE TERCEIRO

Existe previsão no CDC de exclusão da responsabilidade quando a culpa é exclusiva de terceiro, mas não basta apenas dizer que a culpa é de outro, tem que provar. E na maioria dos casos analisados, as empresas não provam a culpa de terceiro e são condenadas a pagar os danos causados aos consumidores.5

6- GREVE DE FUNCIONÁRIOS

A justiça tem entendido que greve de funcionários é um caso de fortuito interno, ou seja, deve ser assumido pelas empresas por ser um risco da atividade exercida. Assim, ele não impede as companhias aéreas de prestar assistência aos consumidores e garantir o cumprimento das obrigações assumidas, mesmo que para isso tenham que alocar os passageiros em outra empresa aérea. 6

7- SUCÇÃO DE URUBU

Ambos no céu, avião e urubu, não dá para dizer que é imprevisível que a ave seja sugada pela turbina de aeronave. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “A previsibilidade da ocorrência usual da sucção de pássaros pela turbina de aeronave no Brasil desautoriza o reconhecimento da excludente de responsabilidade do caso fortuito”. Enfim, a culpa não é do urubu e a companhia aérea é obrigada a indenizar os passageiros pelos danos causados.7

Depois de tudo isso, sabendo do uso infundado pelas companhias aéreas do caso fortuito e de força maior, da prevalência do CDC nas decisões dos Tribunais invalidando tais alegações, o Idec levanta uma questão: uma resolução da Anac afastando a responsabilidade das empresas aéreas nos casos de “força maior imprevisível” ou “caso fortuito não imputável ao operador aéreo” não vai aumentar a judicialização e contribuir para as companhias aéreas ampliarem suas teses de defesas para não indenizar os prejuízos causados aos consumidores?

A resposta é sim, pois alguns juízes entendem que uma resolução da Anac, por ser específica para o setor aéreo, deve prevalecer sobre o CDC. Com isso, em um futuro próximo, a culpa pode ser do urubu.

*Claudia Pontes Almeida é advogada do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor)

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