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À luz da fé

Aslan Bogado* | 06/07/2012 10:25

Nestes últimos anos encontrei-me em diversas situações conflituosas, as quais abalaram fortemente minha moral, ética e intelectualidade.

Como resultado, procurei praticar com exaustão aquilo a que denomino de “o exercício da auto-reavaliação". Este exercício consiste, basicamente, em repensar minhas concepções para mudá-las ou reafirmá-las. É como enfrentar uma crise ideológica e, depois de superá-la, sentir-se mais forte.

Lembro-me de ouvir Cazuza clamar por uma ideologia para viver. Sua súplica não foi um mero acaso, assim creio. Todos precisamos de ideologia para viver. Baseamos nossos pensamentos e ações num conjunto de razões, das quais nos apropriamos (no decorrer da vida) ao entrarmos em contato com a realidade das sociedades e dos mundos ao nosso redor. Estas razões formam a nossa ideologia. Cada um pensa e age da forma como lhe convém, para o bem ou para o mal. Nas sociedades, alguns poucos fazem uso de sua ideologia para manipular, controlar, dominar e corromper. Este é seu lado obscuro.

Para outros, a ideologia assume um alto grau de protagonismo. Neste caso, sua jornada torna-se uma luta constante: a militância torna-se essência de seu viver. Depositam em suas causas todas as forças, dons, talentos, seu tempo e recursos de ordem intelectual, financeira e física. Depositam, inclusive, toda a sua fé.

A fé é motivo de grandes discussões. Há quem a defenda como campo de atuação excepcionalmente religioso. Há quem dela se aproprie, mas, não lhe considere mais do que um mero conceito abstrato. Há, ainda, quem a considere vã loucura. Entre todas as possíveis considerações (as quais respeito muito), direi exatamente o que penso.

Fé é crença ativa inabalável: a força interior motivadora que possibilita aos homens e mulheres visualizarem os invisíveis, alcançarem os inatingíveis e realizarem os impossíveis. É a firme crença em algo que não se vê, sobretudo, uma resoluta confirmação e certeza daquilo que se sente. É esperança e confiança no poder transcendental, nos outros e em si mesmo.

Aquele que vive pela fé pensa, raciocina, reflete e analisa. Não desconsidera as mínimas possibilidades e todas as eventuais dificuldades. Aceita suas próprias fraquezas e insignificâncias, porém, reconhece suas virtudes. Não se cansa de tentar, persevera. Aquele que vive pela fé entende que há situações que fogem de seu controle, no entanto, transforma todas as que estão em suas mãos. Age ativamente, trabalha. Adquire paciência. Aprende a perder, faz concessões sábias. Corrige os erros e se deleita nas vitórias. Comemora prudentemente, pois, sabe que novas derrotas certamente virão. Aquele que vive pela fé respeita o poder da razão, afinal de contas, utiliza seus métodos para pensar. Entretanto, quando a razão não é capaz de oferecer-lhe uma resposta ou uma explicação satisfatória e concreta, decide dar um passo seguro na escuridão - o passo da fé - pois, está ciente de que há lacunas que a razão não poderá preencher.

Certa vez, na adolescência, meu pai ensinou-me um princípio muito importante. Ele disse que "todos possuem dons e talentos, basta encontrá-los". À partir daquele momento, minha forma de ver a mim mesmo e aos outros mudou completamente. Percebi que em toda forma de vida há uma história de fé, inclusive em mim. Aprendi a admirar a fé do meu semelhante

Comecei bem cedo minha jornada em busca da fé. Encontrei-me com ela em muitas situações, nos desencontramos em outras e por diversas vezes nos desentendemos. Compreendi que qualquer pessoa pode sustentar-se na fé de outrem, porém, muito em breve, a crença alheia não será capaz de liquidar as angústias, vencer os problemas e superar os traumas que as circunstâncias da vida lhe imporão. Há momentos em que, mesmo com auxílio externo, nossa própria fé será a única saída para a superação de algum desafio.

A fé está em tudo e em todos. Vejo-a no operário, no sindicalista e no revolucionário. Vejo-a no pai de família, na mãe solteira e no velho aposentado. Vejo-a no "mendigo", no moleque de rua e no "viciado". Vejo-a no artista, no advogado e no assistente social. Há muita fé dentro das igrejas, dos partidos, das universidades e no seio das famílias. A fé está nos indivíduos, grupos, entidades, associações, movimentos, comunidades, sociedades etc. Onde houver uma descoberta científica ou uma conquista social - tenho certeza - lá estará a fé, aliada à razão. A fé é importante. Tolo é quem a desconsidera, condena ou despreza.

Os grandes pensadores, filósofos, cientistas e intelectuais, também os militantes, defensores, religiosos, em qualquer lugar, homens ou mulheres, simples ou cultos, ricos ou pobres; antes de deixarem suas marcas na história da humanidade, buscaram em seu interior a força necessária para a materialização de seus sonhos. Sem este poder transcendental suas vidas não teriam sido brilhantes.

Iluminaram suas ideologias à luz da fé.

*O autor é de Campo Grande e acadêmico de Serviço Social na PUC-SP

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