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A Nova Líbia, por Pio Penna Filho

Por Pio Penna Filho (*) | 16/09/2011 10:13

O regime de Muammar Gaddafi chegou ao fim. Embora ainda persistam focos de resistência aqui e acolá, já se chegou ao ponto em que é impensável uma restauração do governo, por mais que Gaddafi, vez por outra, faça pronunciamentos de que uma contraofensiva está por vir. Importa agora, tanto para os líbios quanto para a comunidade internacional, pensar no futuro.

O futuro da Líbia depende, em grande medida, da capacidade das lideranças políticas do país em conseguir estabelecer um governo de coalizão das diversas forças que compõem o chamado Conselho Nacional de Transição. Caso sejam bem sucedidos em costurar uma aliança política que contemple os diversos interesses em jogo, é possível pensar num futuro político mais estável para o país.

Mas, pelo menos por enquanto, ainda persistem sérias divergências entre os grupos que derrubaram o regime. Há divisões regionais (Leste-Oeste), visões distintas sobre o futuro do país (deve a nova Líbia ser moldada a partir de uma perspectiva religiosa muçulmana ou seguir o modelo das democracias Ocidentais?) e disputas abertas sobre quem deve comandar o novo país.

Mas é preciso considerar que existem outros fatores que podem dificultar a reconstrução e a paz na Líbia e que vão além dessa complexa missão que envolve uma verdadeira obra de engenharia política interna. Refiro-me, em particular, aos diversos interesses estrangeiros em jogo num país com grandes reservas de petróleo e muito a ser investido em termos de reconstrução. Certamente, o jogo será pesado e para profissionais.

Na perspectiva interna não sabemos ainda até que ponto os aliados de Gaddafi estão dispostos a resistir. Pode ocorrer, por exemplo, que grupos insurgentes desestabilizem o país por um bom período, justamente como ocorreu no Iraque após a derrubada do regime de Saddam Hussein. Vale lembrar que a paz e a estabilidade não fazem parte do cotidiano do Iraque e o mesmo fenômeno pode vir a se repetir na Líbia, embora ainda seja muito cedo para qualquer afirmação mais fundamentada.

Outro aspecto muito importante, apontado acima, tem a ver com os interesses estrangeiros no petróleo líbio. Os principais parceiros comerciais e os maiores investidores na indústria petrolífera local são europeus. Os mesmos europeus que coordenaram os ataques da OTAN contra as tropas e instalações governamentais do regime de Gaddafi. Todos sabemos que não foi – na verdade, não está sendo – uma operação barata. Esse custo certamente será cobrado das novas autoridades que sucederão o regime deposto.

Aliás, é bom que se diga que sem a ajuda ocidental, com os bombardeios diários a alvos militares e não-militares, assim como com o fornecimento de material bélico, de logística e informações e até mesmo o envio de tropas especiais, dificilmente os rebeldes teriam chegado onde chegaram.

Assim, é possível que os interesses ocidentais possam inclusive colidir com os interesses ditos nacionais daqui para frente. Isso porque ninguém sabe exatamente qual é a plataforma política dos novos donos do poder na Líbia. É difícil acreditar que essas novas lideranças tenham feito tanto esforço para simplesmente entregarem o comando do país aos interesses estrangeiros ou aos seus coligados.

No caso particular do Brasil, a perspectiva também não é das melhores, mas por outras razões. A diplomacia brasileira tem agido com extrema cautela no reconhecimento dos rebeldes como representantes legítimos do povo líbio, o que tem causado descontentamento em expoentes do Conselho Nacional de Transição. Esse atraso vem justamente num momento em que os investimentos e negócios brasileiros estavam em franco processo de expansão na Líbia. O que salva um pouco o Brasil é que sua ação vem, de certa forma, concertada com os demais Brics, o que tem o potencial de reduzir uma má impressão individualizada.

Há, portanto, muitas indefinições que cercam o futuro do país. Que o regime de Gaddafi já virou história, isso é fato. Mas o futuro da Líbia ainda é uma grande incógnita.

(*) Pio Penna Filho é professor do Instituto de Relações Internacionais, da Universidade de Brasília. Tem doutorado em História das Relações Internacionais e em História, ambos pela UnB. É autor dos livros O Brasil e a África do Sul (FUNAG/MRE) e Integração Regional - Os Blocos Econômicos nas Relações Internacionais (Editora Campus), este com Alfredo da Mota.

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