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A Ordem pratica venda casada em suas eleições

Por Roberto G. de Freitas Filho | 17/11/2011 09:56

A reforma política é tema palpitante na atualidade. Por algum motivo (ou vários), constata-se um déficit de legitimação no sistema político. Em meio a essa constatação, é de bom alvitre examinar a quantas anda o modelo político interno da Ordem dos Advogados.

É de se ressaltar que essa análise tem perspectiva apenas institucional. Vale dizer, é uma discussão sobre o sistema político da Ordem, não tendo nenhuma vinculação com possíveis (e legítimas) pretensões individuais. Ou seja, estuda-se apenas e somente o modelo político. A análise é oportuna também pelo fato de estarmos bem distantes do calendário eleitoral, o que permite uma abordagem livre das paixões próprias de tal momento.

De início é de se notar que a Ordem tem por grande órgão o seu Conselho Federal. É o Conselho quem decide e atua em nome da corporação (art. 54. Lei 8.906/94). Percebe-se de imediato que a OAB é um organismo colegiado. Portanto, o seu modelo político é o Parlamentarismo.

O presidente da Ordem é o presidente do Conselho Federal. Tal como o presidente do Senado, com o qual o Conselho Federal da Ordem guarda inclusive a semelhança numérica quanto à composição.

Observe-se que o presidente do Conselho ali somente tem voto de qualidade (art. 53, § 1º -EOAB), mesmo assim há quem pretenda atribuir ao presidente poderes próprios do sistema presidencialista, olvidando a natureza parlamentarista da Ordem.

Pretende-se uma intensa e exacerbada ação unipessoal quando a função é colegiada. Esse desvio de perspectiva tem causado problemas que agravam o déficit de legitimidade. O grande defeito do sistema político da OAB está no modelo eleitoral.

Nas eleições das seccionais, o modelo é do ‘tudo ou nada’. O resultado é desastroso. Não faz muito tempo em uma das maiores seccionais do Brasil, uma chapa concorreu e ganhou. Havia outras chapas. A chapa vitoriosa amealhou 24% dos votos. Ganhou 100% do Conselho Seccional.

É bizarro. Uma chapa tem menos de um quarto do eleitorado e tem a totalidade do Conselho.

Em termos de ciência política é uma anomalia completa. Conseguimos construir um organismo que é colegiado e unilateral.

Essa é a situação dos conselhos seccionais da OAB. Um Conselho em que todos são da mesma facção. Em termos de absurdo estamos bem servidos.

A razão de ser de um colegiado é justamente garantir a pluralidade de opiniões e perspectivas. Isso não acontece na OAB. Pelo menos no plano das seccionais.

Urge a implantação do critério da proporcionalidade para assegurar à minoria a sua participação política nos conselhos seccionais.

Por outro lado, uma vez compostas as chapas são apresentadas ao advogado que somente pode votar na chapa completa. Sua escolha torna-se draconiana.

Na sua composição as chapas muitas vezes constroem um arco de integrantes ao sabor de conveniências políticas que nem sempre são do agrado do eleitor. Casos há em que um nome não causa apenas desagrado, mas verdadeira repulsa. E a composição política da chapa não pode rejeitar esse ‘aliado’.

Nessas condições, muitas vezes o eleitor se vê obrigado a sufragar um nome que reprove, em nome de uma candidatura que deseje; ou, ao inverso, rejeitar uma chapa que deseje por temor a um nome que recuse.

Enfim, retira-se do eleitor o direito de construir, com seu voto, o Conselho que ele julga melhor. Ele não pode rejeitar aquele ‘aliado’ que foi imposto à chapa de sua simpatia. Ele apenas pode homologar uma chapa na sua integralidade ou recusá-la. É triste reconhecer que no plano eleitoral a OAB pratica o que é condenado no Direito do Consumidor: a venda casada.

O argumento de que em seccionais numerosas a contagem de votos com a permissão de votos isolados pelos advogados complicaria a apuração que levaria muito tempo perde substância com o advento da urna eletrônica.

De fato, basta que cada chapa tenha um número (como acontece no sistema partidário) e a partir desse número seriam identificados os candidatos ao Conselho. O eleitor poderia votar em todos, ou apenas em alguns, suprimindo assim os candidatos que recusasse.

É urgente que se devolva ao advogado a soberania de seu voto. A advocacia é a mais politizada das profissões. Por sinal, a ação política da Ordem é a primeira de suas finalidades na letra do artigo 44, inciso I do Estatuto da OAB. Tanto que a OAB é legitimada para discutir via Ação Direta de Inconstitucionalidade toda a matéria legislativa, em igualdade de poder e condições com os partidos políticos e instituições de Estado. Em suma, o advogado não pode comer um ‘prato feito’.

O sistema que suprime a minoria no Conselho é totalitário. Avilta a representação política e tem ainda outros efeitos colaterais. Com efeito, se tivéssemos a presença da minoria, ela seria composta pela elite da oposição. Como a minoria não participa, vem em seu lugar o resíduo da situação. Em vez do debate engrandecedor, tem-se a unanimidade acomodada. Eis um processo seguro de mediocrização da representatividade nos conselhos seccionais.

Em nome da própria democracia é imperativo que o Conselho Seccional da OAB seja o palco vivo dos debates políticos da Ordem. Nesse sentido não há como postergar a presença da minoria (nessa condição) no colegiado político da entidade. E o melhor modo de fazê-lo é garantindo ao advogado a soberania de seu voto.

Do Conselho Federal

Por outro lado, cumpre examinar a situação do Conselho Federal. Sendo o órgão máximo da Ordem, seria de se esperar que tivesse no plano político a mesma importância que tem no plano institucional.

Por força do artigo 64, inciso I do Estatuto da OAB, a chapa do Conselho Federal é inclusa na chapa para o Conselho Seccional. Por outro lado, para o Conselho de Subseção haverá chapa própria. A chapa para ao Conselho Federal tornou-se mero apêndice da chapa para o Conselho Seccional.

Com isso é possível seguinte situação: imagine-se que num estado X, existam as chapas A e B disputando as eleições. No município Y existe Subseção que tem eleições disputadas pelas chapas M e N. As chapas M e N são apoiadas pelas chapas A e B respectivamente. O eleitor pode votar na chapa A e na chapa N para a Subseção, divergindo do acordo político entre as chapas.

Essa liberdade o eleitor não tem na eleição para o Conselho Federal.

Note-se que os conselhos Federal e Estadual são órgãos inteiramente distintos enquanto que as subseções que sequer tem personalidade jurídica distinta da OAB que integram.

É inconcebível que a Subseção tenha chapa autônoma e o Conselho Federal não.

Por sinal, a situação do Conselho Federal incluso na chapa do Conselho Seccional é a do voto vinculado. Para quem não lembra (ou não viu), essa foi uma manobra do regime militar, nas eleições de 1982, para garantir maioria no Colégio Eleitoral de 1984.

Volta-se ao exemplo da venda casada, vota-se nos três ao mesmo tempo. Como é um mero apêndice, a chapa de Conselho Federal é também um ‘prato feito’, só que de ‘sobremesa’.

É imperativo que se dê ao Conselho Federal, no plano eleitoral, tratamento compatível com a natureza de suas funções. Não pode ficar a composição do grande órgão decisor da OAB a reboque das questões da Seccional. São instâncias distintas e autônomas e devem ser tratadas como tal.

O Conselho Federal guarda profunda analogia com o Senado da República. Ele é o Senado da advocacia brasileira. Com representatividade de três membros por unidade federada. Tal como no Senado há de ter eleição majoritária para as suas vagas.

A grande aproximação do Conselho Federal com o advogado é garantir a esse que pode votar livremente nos nomes em disputa. Para isso devem as chapas apresentar três candidaturas cabendo ao advogado votar livremente em três nomes resultando eleitos os três mais votados.

A eleição majoritária para o cargo de Conselheiro Federal levará ao Conselho maior vinculação política entre a classe e o seu grande e principal órgão.

(*) Roberto G. de Freitas Filho é ex-conselheiro dederal da OAB, ex-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e professor na Universidade Federal do Piauí.

(Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2011)

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