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A presidente e a faxina

Por Percival Puggina (*) | 18/08/2011 09:30

Nunca a gramática prestou tão bom serviço à compreensão das análises políticas quanto nestes dias de Dilma Rousseff. Quando o comentarista ou o analista a designa como "presidenta" a gente já sabe para que lado sopra o vento. É uma facilidade.

Pois foi inspirado por essa facilidade que saí atrás do decantado e inabalável compromisso da presidente (pronto, já disse de que lado estou!) com a faxina. Faxina? Busquei todas as falas presidenciais. Queria saber o que Dilma, pessoalmente, já afirmou sobre isso porque me parecia improvável que um vocábulo e um conceito de tanto impacto político tivessem sido concebidos fora do circuito oficial e sem apoio verbal da presidente.

Para quem não sabe, no site www.info.planalto.gov.br se pode ler tudo que ela disse em discursos, entrevistas, cafés com a "presidenta" e conversas com a "presidenta". Para facilitar a vida do pesquisador, o site permite que se faça a busca por palavra-chave. Então, espremi o arquivo em busca de "faxina". Sabe o leitor quantas vezes a presidente usou esse vocábulo que hoje está colado à sua imagem? Nenhuma. E no conjunto de suas demais manifestações, desde o início do governo? Nenhuma, também.

É perfeitamente possível, no entanto, que, mesmo sem falar em faxina, ela tenha balizado a conduta do seu governo com manifestações que expressem sua disposição de promover um minucioso combate à corrupção. Fui atrás dessa outra palavra. Quantas vezes "corrupção" - que tanto se quer expulsar do governo - saiu da boca presidencial? Duas. Uma no discurso de posse e outra numa entrevista, motivada pela repórter.

Não será demasia, portanto, concluir que a palavra faxina e a correspondente imagem lhe foram regaladas pela mídia, sem suporte nos fatos da vida. Afinal, os aparelhos da corrupção operaram durante todo o período em que ela respondia pela gestão do governo Lula como ministra-chefe da Casa Civil e genitora dos bilionários empreendimentos do PAC. Todas as denúncias dos últimos meses surgiram pelo trabalho investigativo da imprensa nacional ou por ação autônoma da Polícia Federal.

Faxina? Retirar a lata de lixo do meio da cozinha não é faxina. Dilma ficaria exposta a uma denúncia por crime de responsabilidade se conservasse nos cargos aqueles a quem demitiu! E quem conhece biografias políticas sabe que um efetivo combate à corrupção no espaço de seu próprio governo deveria ter começado lá atrás, não aceitando certas indicações de seu padrinho e dos partidos da base (inclusive do seu próprio partido).

Haverá algo que a imprensa possa descobrir hoje que não estivesse, desde sempre, com muito maior facilidade, acessível aos órgãos de fiscalização e controle do Estado e do próprio governo? Pode-se crer no compromisso com a faxina de um governo que inventou e constrangeu a base a aprovar o Regime Diferenciado de Contratação, que até o Procurador Geral da República (arquivador do processo contra Palocci) designou como "absurda, escandalosamente absurda"?

Uma verdadeira faxina deveria incluir a cuidadosa leitura de relatórios do TCU, fazer bom uso dos órgãos de informação do governo, extinguir os aparelhos partidários da administração, das estatais, dos fundos de pensão e das agências reguladoras. E, principalmente, propor instrumentos políticos para desestimular a corrupção inerente ao modelo institucional (separando Estado, governo e administração) e instrumentos jurídicos para acabar com a impunidade (propondo as necessárias alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal).

Por enquanto, tudo indica que os amigos da "presidenta" encontraram um jeito de lhe dar uma imagem e lhe proporcionar um respaldo popular que ela possa chamar de seu. Mas se são amigos da "presidenta" estão tão comprometidos quanto ela com o esquema de poder que hoje comanda o país e que só com muita ingenuidade se pode considerar movido por robustas intenções éticas.

(*) Percival Puggina é articulista.

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