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A reforma da Previdência em pauta (... até quando?)

Por Hermes Arrais Alencar (*) | 28/09/2016 14:29

Sob os holofotes do desejo governamental de reforma estão dois regimes de previdência: o maior deles nominado Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que busca proteger os trabalhadores da iniciativa privada nas hipóteses de necessidade social (idade avançada, invalidez, maternidade, morte, entre outras); e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que visa proteger principalmente os servidores públicos detentores de cargo efetivo (e respectivos dependentes) das três esferas de governo (federal, estadual e municipal).

Dentre as semelhanças mais marcantes entre esses regimes está o fato de serem públicos e obrigatórios. A compulsoriedade de filiação ao RGPS e ao RPPS é o que diferencia esses regimes públicos frente à previdência complementar privada, que traz o fator diferencial da facultatividade.

A certeza de clientela no RGPS e RPPS gera a divulgação constante de notícias sobre déficit da previdência sem receio de que os dizeres não estejam baseados em aprofundamento teórico, estratégia de argumentação conhecida por ad terrorem para dar espaço a ajustes (batizados de reformas) que deslocam o olhar da pessoa protegida na esfera previdenciária para que foque na economia aos cofres públicos.

Importante notar que as instituições financeiras que comercializam planos de previdência complementar são enormemente beneficiadas pelas ondas de terror lançadas nos regimes públicos. A publicidade efetivada pelas entidades que administram planos de previdência complementar enaltece a solidez dos planos privados como uma bandeira para a captação de novos contratos.

O cenário desde a promulgação da constituição cidadã, em 1988, demonstra que a Previdência Social não foi ainda tratada com o respeito de que é merecedora, sofrendo apenas ajustes pontuais.

São os regimes públicos marcados por “ajustes” constitucionais, iniciados em 1993 com a promulgação da emenda constitucional nº 3, que trouxe, corretamente, o caráter contributivo no regime próprio federal. No ano de 1998, existiram ajustes em maior proporção, de modo que a emenda constitucional nº 20 foi denominada Reforma da Previdência. Os ajustes continuaram com as ECs nº 41, em 2003, nº 47, de 2005, nº 70, de 2012, nº 88, de 2015.

Sob a alcunha de “minirreformas”, há um batalhão de leis modificando a relação protetiva desde a publicação da Lei de Benefícios Previdenciários (Lei 8213, de 1991), tornando-a hoje um texto mutilado, com diversos artigos sem coerência sistêmica, perdidos no tempo.

Apenas no ano de 2015 foram editadas mais de uma dezena de leis alterando regras de custeio e de benefício. Não raro, as modificações apresentam tom babélico, o que está evidenciado nas modificações promovidas no inciso II do §2º do art. 77 da Lei 8213. Esse dispositivo teve sua redação alterada no ano de 2015 por três vezes (pelas Leis 13.135, 13.146, e 13.183)!

A norma regulamentar (Decreto Federal 3.048, de 1999) não consegue acompanhar as alterações legislativas, sendo atualmente terreno pantanoso, com dezenas de dispositivos sem valia há anos.

Diante do temor de impacto nas urnas, por vezes o governo tenta promover “minirreformas” restritivas de direitos previdenciários de forma velada, como ocorreu com a edição da Medida Provisória nº 664, publicada na edição extra do dia 30 de dezembro de 2014. Aproveitando-se da menor repercussão na mídia por conta dos festejos de fim de ano, a medida palaciana nº 664 foi editada sem qualquer debate democrático e buscava impor à sociedade pontos que retratavam retrocesso social (que, em parte, não foram acolhidos pelo Congresso Nacional).

A seriedade do tema impõe que as verdades não sejam ocultadas. Um exemplo importante é o da composição das fontes de custeio da previdência, que não se socorre de recursos advindos unicamente do suor das pessoas físicas prestadoras de trabalho remunerado e dos respectivos tomadores de serviço, mas também de outras espécies de contribuição social destinadas à seguridade social e, principalmente, pela via orçamentária dos entes públicos (forma indireta prevista no art. 195 da Constituição Federal). Merece destaque o fato de que o aclamado déficit é (até certa medida) constitucional, por caracterizar a cota parte devida pelo Estado-Nação (imposição constitucional existente desde a Constituição Federal de 1934). 

A sociedade deve clamar por uma reforma séria, real (com o consequente afastamento dos interesses escusos), verdadeira e, principalmente, que não seja efetivada às pressas. De modo que todos os dados sejam trazidos à mesa para debate, com a oitiva da ciência atuarial e anúncio claro do que será feito (caso seja alcançado o intento governamental) com os valores decorrentes de eventual superávit da previdência.

É necessário ainda (em nosso sentir) que haja dispositivo constitucional, quiçá regado pelas garantias de cláusula pétrea, e com imposição de crime de responsabilidade, que vede a utilização dos recursos excedentes para qualquer outra finalidade que não seja a de garantir a solidez do sistema previdenciário para as gerações futuras.

Por fim, são nossos votos de que desta vez haja cláusula de vedação de “novos ajustes restritivos de direito” nos benefícios previdenciários nos próximos 10 anos, para que dessa forma tenha o trabalhador certeza de que no decênio anterior à aposentadoria as regras não possam ser validamente modificadas em seu desfavor, haja vista que o seguro social não deve ser pauta de preocupação constante. Pelo contrário, a previdência deve ser um forte símbolo nacional de segurança social, de conforto e de tranquilidade; e garantia de amparo do segurado e de seus dependentes nas hipóteses de desventura social.

Assim se espera!

(*) Hermes Arrais Alencar é mestre em direito Previdenciário pela PUC-SP. 

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