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A religião e o 11 de setembro

Por Agnaldo Cuoco Portugal (*) | 13/09/2011 06:03

Parece inegável que os eventos do dia 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos tiveram grande vínculo com a religião. Não só a alegada motivação dos que fizeram os ataques e se dispuseram a morrer por ele, como parte importante da reação americana e mundial também tinham elementos religiosos. A rigor, isso não deveria surpreender.

Apesar da forte crítica a que foi submetida na filosofia moderna e contemporânea e das previsões de que estaria fadada à extinção diante do progresso da tecnociência, a religião tem ainda enorme e profunda importância para a vida da imensa maioria dos seres humanos. Mais do que isso, talvez ela seja parte fundamental daquilo mesmo que nos caracteriza como humanos.

Tentemos entender do que estamos falando. O conceito de religião proposto pelo filósofo britânico John Hick, por sua abrangência, parece servir bem a esse propósito. Segundo ele, “religião é uma resposta humana ao transcendente”. O interessante desse conceito é que ele ao mesmo tempo admite que se trata de um conjunto de construções simbólicas humanas, feitas em diferentes culturas e momentos históricos, mas realça que isso é resposta a algo que não se reduz e sim está para além da particularidade das culturas, da história e do indivíduos humanos.

Assim, por um lado, as religiões são criações humanas, apresentando um conjunto de crenças e valores, ritos e cultos, uma comunidade participante e, frequentemente, um grupo especializado de oficiantes.

Por outro lado, essa criação humana se refere a questões fundamentais da existência, sobre a origem e o destino, o sentido e a razão das coisas do mundo e que não podem ser confundidos com essas coisas para poderem cumprir esse papel de sentido e razão. A atividade religiosa pode ser entendida como a busca humana de estar em contato profundo, de se aproximar desse sentido fundamental da realidade, tido como divino ou sagrado.

Até o século XVIII, a crítica à religião e à noção de divindade era feita em nome de uma proposta alternativa de religiosidade e de concepção do divino. Foi nos últimos séculos que a filosofia passou a criticar toda e qualquer noção de divindade e de prática religiosa. Surgiu então o fenômeno atual do ateísmo naturalista, com ideias de grandes pensadores como Feuerbach, Marx, Nietzsche e Freud.

Porém, a filosofia do final do século XX em diante e muitos acontecimentos recentes mostraram que várias dessas críticas não eram assim tão fortes e que a religião não estava tão fadada ao desaparecimento em vista da ciência e do progresso material. Percebeu-se que religião e ciência têm complexas relações que não podem ser reduzidas ao conflito apenas. Além disso, mesmo em sociedades com grande progresso material, a religião ainda cumpre papel importante, embora adquirindo, por vezes, novas formas e conteúdos. Atualmente, na filosofia, é o materialismo naturalista que se critica cada vez mais.

Em suma, religião tem a ver com o que há de mais importante na vida humana e não é estranho que estivesse presente também num acontecimento marcante como o 11 de setembro. Ela pode ser acusada de ter sido pretexto para um ataque que tirou a vida de milhares, mas estava também presente no consolo daqueles que perderam parentes e amigos. Serviu para propósitos políticos que estavam por trás daqueles atos, mas também foi base para a indignação ética contra essas mesmas ações.

A amplitude do papel que desempenhou naquele evento mostra que temos aqui um fenômeno que resiste a entendimentos reducionistas. Um fenômeno tão complexo quanto o próprio ser humano e possivelmente um dos principais responsáveis pela complexidade e riqueza deste.

(*) Agnaldo Cuoco Portugal é professor do Departamento de Filosofia, da Universidade de Brasília, graduado em Filosofia e em Antropologia pela UnB, tem especialização em Filosofia da Religião pela PUC-MG, mestrado em Filosofia pela UFRJ e doutorado em Filosofia da Religião pelo King s College da Universidade de Londres.

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