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A sombra de uma falsa justiça, por Carlos Magno Couto

Por Carlos Magno Couto (*) | 19/07/2011 06:03

Conta Evandro Lins e Silva, que na França, dois grandes advogados contemporâneos e rivais: - Vicent Moro Giaferri e Cesar Campinchi, ambos de estirpe italiana, debatiam certa vez uma grande causa, quando Campinchi, atuando na acusação invocou a opinião pública em seu favor. Ocasião, em que Giaferri explodiu argumentativamente e ganhou na resposta: “Maître Campinchi vos dizia a toda hora que a opinião pública estava sentada entre vós.

Expulsai-a, essa intrusa. É ela que ao pé da cruz gritava: “Crucificai-o”. Ela, com um gesto de mão, imolava o gladiador agonizante na arena. É ela que aplaudia aos autos da fé da Espanha, como ao suplício de Calas. É Ela enfim que desonrou a revolução francesa pelos massacres de setembro, quando a farândola ignóbil acompanhava a rainha ao pé do cadafalso. A opinião pública está entre vós, expulsai-a, essa intrusa... Sim, a opinião pública, esta prostituta, é quem segura o juiz pela manga”.

No Brasil contemporâneo, sempre que ocorre um crime de grandes repercussões a opinião pública instada pela imprensa a se pronunciar, tende em regra a responder, sob protestos lacônicos, que espera apenas por Justiça.

Mas afinal, o que é Justiça?

Segundo Hans Kelsen, as mentes mais brilhantes de Platão a Kant, meditaram sobre essa tremenda questão da humanidade e até hoje ela continua sem resposta. Diferentemente da injustiça, que se não é passível de conceituação, não se tem dúvida quando se está diante dela.

Na realidade, a opinião pública quando fica irredutível em seus pré-julgamentos e punições acaba transformando todos em reféns de algo que se presta a aniquilar a própria razão de ser do Judiciário.

E foi precisamente face a um furor coletivo, que uma frase cunhada pelo Ministro Luiz Fux da Suprema Corte brasileira entrou para a história, quando pedagogicamente advertiu com senso de independência, lucidez e coragem:“que muitas vezes, cabe ao Supremo proteger a sociedade dela mesma”.

É que, a rigor, a opinião pública não deve orientar o procedimento do magistrado. O que dirige o procedimento do juiz é a lei vigente. Cabendo aqui uma reflexão, que nos leva a pensar que é preciso debater que tipo de explicação o Poder Judiciário deve a chamada “opinião pública”, pois várias vezes na história ela estava equivocada, notadamente, se o homem levou séculos para adquirir o direito sagrado de não ser condenado sem julgamento e de ter como lugar de seu verecdito um Tribunal e não a praça pública.

Em suma, o Poder Judiciário brasileiro deve respeitar a premissa básica dos sistemas republicanos de que todo cidadão é inocente até prova em contrário. Essa é uma garantia fundamental do Estado de Direito. Se hoje a Constituição Federal não valer para o pior dos bandidos, amanhã não valerá para ninguém. Em uma palavra: o pior dos delinqüentes tem direitos. Os que pensam diferentemente, não se dão conta de que estão derrubando as pilastras do Estado de Direito e cujo preço apenas conhecemos quando se perde. Depois é muito difícil de recuperar.

O irresistível fascínio de lutar pela defesa do direito de alguém, leva o advogado ao convencimento de que em matéria penal a pior tragédia não é a morosidade do processo e nem mesmo eventual impunidade, mas a possibilidade de um erro judiciário.

No que diz respeito, a frase solene atribuída também a dita opinião pública, no sentido de que no Brasil, existe uma “sensação de impunidade”, não deve ser reconhecida como completamente verdadeira, pois, se é verdade, por um lado, que os poderosos não são processados e julgados como deveriam ser, de outro, tal argumento não convence, visto que a Justiça Penal brasileira condena implacavelmente, bastando para tal convencimento, a informação de que temos hoje cerca de meio milhão de presos. Índice altíssimo, se considerados os índices mundiais de população carcerária em relação ao número de habitantes.

Por fim, vale deixar registrar, que ninguém ignora no Brasil atual, o importante e indispensável papel desempenhado pela imprensa no esclarecimento da população acerca de crimes que causam clamor popular, entretanto, não se pode encobrir que parte desses noticiários ao divulgarem a prática delituosa, colocam o réu, sem defesa, lamentavelmente na prisão da opinião pública.

(*) Carlos Magno Couto é advogado criminalista.

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