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A tragédia grega e a comédia brasileira

Por Carlos Pio (*) | 01/07/2011 10:33

Temos assistido, atônitos, o desenrolar de mais uma crise financeira. A Grécia é a bola da vez. Apesar do novo protagonista, o enredo da tragédia é o mesmo das crises anteriores: sistema financeiro globalizado, bancos privados internacionais emprestando muito a governos fiscalmente irresponsáveis, governantes que preferem gastar mais a promover reformas condizentes com os novos tempos, sistemas políticos engessados pela força dos grupos de interesse que representam setores privilegiados das respectivas sociedades.

Mais particularmente, quais são os problemas da Grécia?

Primeiro, uma dívida externa superior ao tamanho da economia nacional (€ 340 bilhões, ou o equivalente à metade do PIB do Brasil).

Segundo, um estado ineficiente, inchado e gastador.

Terceiro, um conjunto de regras econômicas, políticas, sociais e culturais que emperram a produtividade das firmas, desestimulam as pessoas a trabalhar mais e de forma inovadora, impõem custos produtivos elevados, incertezas jurídicas e ineficiências generalizadas.

Quarto, a impossibilidade de desvalorizar o câmbio uma vez que integra uma união monetária (a zona do Euro).

Desde que acompanhada de medidas voltadas para minimizar seus efeitos inflacionários, a desvalorização é uma das medidas mais eficazes para reequilibrar as transações financeiras entre residentes e estrangeiros – porque ajusta automaticamente os custos e os preços domésticos aos internacionais –, possibilitando gerar e economizar

divisas e, assim, pagar a dívida externa.

Qual a solução? A maneira mais eficiente de equacionar tais problemas envolve: reestruturar o Estado, promovendo o enxugamento dos desperdícios, a prevalência do mérito na administração pública e profundos cortes orçamentários (de preferência poupando apenas os que beneficiam os cidadãos mais pobres ou vulneráveis); reformar as instituições que inibem os ganhos de produtividade – essenciais à prosperidade das pessoas e empresas; eliminar privilégios concedidos a empresas, setores econômicos e grupos da sociedade (como os funcionários públicos) os quais impõem custos elevados a outros grupos – consumidores (famílias e firmas) e contribuintes, por exemplo.

Tudo isso é duro demais, tanto para os grupos privilegiados – que não querem largar o tacho – quanto para os governantes, que nestes se apoiam para obter votos, recursos de campanha e emprego, quando abandonam a política.

Sinal disso são as marchas diárias de grupos de comunistas e sindicalistas bem-vestidos e alimentados que enfrentam a polícia nas ruas para protestar contra o austero pacote negociado pelo governo com os credores da dívida externa grega.

Há razões de sobra para duvidar de que o governo atual – ou

qualquer outro – encontre apoio social ou parlamentar para enfrentar a ira dos que não querem os ajustes às instituições do capitalismo na pátria do teatro, da filosofia, das artes plásticas, da mitologia, e de tantas coisas mais.

Por ironia do destino, no mesmo momento em que hordas acampavam à frente do Parlamento grego, o representante do Brasil em Washington declarava apoio a Christine Lagarde, ministra das finanças da França, na disputa pela diretoria-geral do FMI – um dos fiadores dos pacotes de socorro à Grécia. Foi, de fato, mera coincidência, mas uma daquelas cheias de significado.

Explico. Lagarde disputava o cargo com o presidente do Banco Central do México, Agustín Carstens. E o mexicano representava três coisas muito diferentes: uma alternativa latino-americana à dominação europeia no Fundo, justamente quando ele tem que equacionar um problema gigantesco no Velho Continente; uma opção vinda de um país que sofreu mais de uma crise financeira como a que ora afeta a República Helênica; a escolha de um dirigente cujo país realizou diversas reformas econômicas e financeiras nas últimas duas décadas, abriu-se para o mundo e ganhou respeito e mercados ao fazer justamente aquilo que todos, especialmente o FMI, precisará exigir dos gregos – governo, sociedade e empresas.

Mas Guido Mantega preferiu jogar no lixo o discurso (fácil) contra a predominância dos governos de países ricos nos organismos financeiros internacionais, em especial o FMI, a apoiar alguém que tinha todas aquelas qualidades. Ficou com Lagarde para não dar o gostinho da vitória ao liberalismo mexicano.

O descompasso de Mantega na política internacional tem uma lógica: procura sonegar, dos brasileiros, tanto o reconhecimento de que o nosso passado grego nacional-desenvolvimentista foi um fracasso retumbante,

quanto o árduo aprendizado de que é fundamental reformar as instituições e as mentalidades (política, econômica e empresarial) prevalecentes com vista a promover a eficiência e a prosperidade, como simbolizava o mexicano Carstens.

Diante da tragédia grega, a comédia do governo brasileiro.

(*) Carlos Roberto Pio da Costa Filho é professor de Economia Política Internacional, no Instituto de Relações Internacionais, da Universidade de Brasília, Professor Titular do Instituto Rio Branco (Min. das Relações Exteriores). É bacharel em Ciência Política pela UnB, mestre e doutor em Ciência Política (Ciência Política e Sociologia) pelo IUPERJ/Sociedade Brasileira de Instrução.

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