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As raízes da crise no judiciário

Jully Heyder da Cunha Souza | 26/01/2012 16:44

O que se iniciou como um conflito entre setores da magistratura e a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nas últimas semanas tomou proporções e ares de “crise no judiciário”.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) já havia proposto ações no Supremo Tribunal Federal (STF) buscando a limitação dos poderes do CNJ, bem como a suspensão de investigações contra magistrados, que tramitam perante aquele órgão. Antes de qualquer decisão, porém, os ânimos crisparam-se com a declaração da Ministra Eliana Calmon (Corregedora do CNJ): “existem bandidos atrás da toga”.

Tomando a declaração por ofensiva à magistratura, o presidente do STF, ministro Cesar Peluso, capitaneou uma reação e pôs em pauta o julgamento das ações movidas pela AMB, ameaçando reduzir os poderes do CNJ. Houve grande alarido da sociedade e arrefeceu-se o desforço.

Coincidentemente, poucos dias após o CNJ anunciar uma inspeção no Tribunal de Justiça de São Paulo, maior e mais influente do Brasil - mesmo tribunal, aliás, que a própria corregedora disse que somente conseguiria inspecionar no dia em que “o sargento Garcia prendesse o zorro” –, os canhões finalmente disparam contra o CNJ e o ministro Marco Aurélio Mello (STF)

proferiu, na calada do ano judiciário, uma liminar que limitava os poderes do Conselho.

Seguiram-se acusações por parte de associações de Magistrados contra a Ministra Eliana Calmon por suposto abuso de poder e quebra ilegal de sigilo bancário de magistrados, o que provocou a divulgação, pela Ministra, de dados do relatório enviado ao CNJ pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que dava conta de movimentações financeiras atípicas de membros do judiciário na ordem de R$ 855 milhões, o que justificaria as ações da corregedoria nacional, bem como provaria não ter ocorrido quebra de sigilo bancário de qualquer servidor.

Desde então, o tema é recorrente em todos os veículos de imprensa do Brasil. São diversas as manifestações. Todavia, é de fácil percepção que os únicos a defenderem a mordaça do CNJ são os que atuam em nome de um corporativismo canhestro e antirrepublicano.

De outro lado, parece haver um consenso - na sociedade, na imprensa e em setores ligados ao judiciário, como OAB e Ministério Público - no sentido da necessidade de atuação do CNJ, tanto no papel investigativo, como em sua função administrativa.

No próprio judiciário existe uma gama de magistrados que defende a atuação investigativa do CNJ ante a inoperância histórica das corregedorias locais. O ex-presidente da AMB, o juiz Mozart Valadares Pires, na contramão do que defende agora a instituição que presidiu no passado, admitiu em artigo escrito à Revista Interesse Nacional que: “O autocontrole exercido

pelos órgãos internos – Corregedorias e Conselhos de Magistratura – se apresentava ineficiente e contaminado pelo corporativismo, sem cumprir o dever do combate aos desmandos e distorções administrativas, e aos desvios de verbas no Judiciário.”

A grande indagação que se faz é: a criação constitucional de um órgão que promove o controle externo no âmbito do poder público, livre das amarras do corporativismo, tornando transparente a face da justiça, representa um avanço ou um retrocesso para o Estado Republicano?

Não existe na república, e esta é a resposta, um poder fechado e inescrutável como tenta ser o judiciário, ou parte dele. A transparência, ao contrário, é o que fortalece as instituições, criando respeito e confiança necessários à realização dos propósitos de liberdade e igualdade.

É preciso relembrar as lições de Immanuel Kant (1724-1804), para quem a transparência (publicidade) é um imperativo categórico para se atingir a liberdade republicana. Assenta o filósofo germânico que “Todas as máximas que requerem a publicidade (para não fracassar nos seus propósitos) concordam com o direito e com a política ao mesmo tempo.”

O judiciário não pode, e não deve, ao mesmo tempo em que atua cobrando e, por vezes, punindo os demais poderes da república por transparência, pretender ver-se livre do controle externo, cujo objetivo não é outro, senão fortalecer a própria imagem da justiça, através da eliminação de qualquer desconfiança.

As raízes da atual crise, deste modo, não estão na discussão sobre os poderes do CNJ, mas no descerramento do manto da clausura que encobria as chagas da justiça no Brasil, permitindo-se concluir que, isolado, o judiciário não vai bem.

O CNJ, portanto, é essencial à transparência e ao consequente fortalecimento deste poder tão importante à sociedade.

O STF certamente saberá compreender a dimensão exata do comando constitucional que criou e outorgou poderes investigativos ao CNJ, mantendo incólume a autonomia e os poderes deste órgão imprescindível à nação brasileira.

(*) Jully Heyder da Cunha Souza é advogado – membro do Conselho Seccional da OAB/MS.

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