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Atrás das grades do Brasil

Por Carlos Magno Couto (*) | 22/01/2014 15:48

A primeira Constituição do Império brasileiro, outorgada pelo Imperador Dom Pedro I, no dia 25 de março de 1824, prescrevia que as “cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes” (art. 179, XXI).

Sendo certo que a primeira tentativa de codificação do direito de execução penal no Brasil foi o projeto penitenciário da república, de 1933, elaborado por Cândido Mendes, Lemos de Brito e Heitor Carrilho, que restou obstruído pelo Estado Novo de 1937/1945.

Em 28 de abril de 1957, foi apresentado ao Ministro da Justiça um anteprojeto de Código Penitenciário, elaborado sob a presidência de Oscar Penteado Stevenson, tendo sido posteriormente abandonado.
Em 1963, Roberto Lyra redigiu um anteprojeto de Código de Execuções Penais, interrompido pela eclosão do golpe militar de 1964.

Em 1970, Benjamin Moraes Filho elaborou novo anteprojeto de Código de Execuções Penais, revisado por José Frederico Marques, José Salgado Martins e José Carlos Moreira Alves, que também não foi aprovado. Nesta década surgiu a Lei 6.416/77, que trouxe importantes alterações na execução das penas privativas.

Finalmente, em 1981, a comissão composta pelos professores Francisco de Assis Toledo, René Ariel Dotti, Miguel Reale Junior, Ricardo Antunes Andreucci, Rogério Lauria Tucci, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Benjamin Moraes Filho e Negi Calixto apresentou o anteprojeto da nova Lei de Execução Penal, revisado por Francisco de Assis Toledo, René Ariel Dotti, Jason Soares Albergaria e Ricardo Antunes Andreucci, que culminou na edição da Lei n. 7.210, em 11 de julho de 1984.

Embora esta lei seja uma das mais avançadas do mundo, a mesma não é cumprida ética e legalmente pelas autoridades públicas, configurando mera carta de intenções, ou melhor, um verdadeiro atentado à civilidade, à “ressocialização” e aos direitos humanos dos presos.

Sendo certo que para a superação da grave crise no sistema carcerário será indeclinável a obediência rigorosa do limite máximo da capacidade prisional com a construção de novas unidades com capacidade máxima de 300 presos e a desativação de muitas delas.

Cumprindo anotar que no mundo das prisões brasileiras, a “ressocialização”, que constitui objetivo da pena, ainda que como possibilidade e não certeza passou a ser uma ficção, notadamente quando o que se vê é o criminoso e muito pouco do ser humano, pois como enfatizou René Ariel Dotti: “o mais importante que a prestação de contas à Justiça é a responsabilidade desta pelo futuro de um homem colocado a sua disposição”. Enfim, o respeito ao preso é que define a dignidade da liberdade perdida.

Daí a consciência de muitos já haver rompido com a prisão, com seus fundamentos e perspectivas, deixando-se assim, uma nódoa histórica em nosso processo civilizatório.

Atualmente, o sistema carcerário nacional é visto não apenas como um problema de direitos humanos, mas um caso de polícia. A história dos presídios é tão incivilizada quanto a história dos crimes praticados.

Valendo acrescentar que, se a realidade carcerária brasileira não se transforma pela aplicação da lei de execução penal, ela inegavelmente constitui um caminho de libertação desse atraso, que no fundo, só desnuda o grau de civilidade de nosso povo.

O nosso País, que detém a terceira ou quarta maior população carcerária do mundo, com seus 1.598 estabelecimentos penais, atualmente possui mais de meio milhão de presos, no caso, um total de 548.000 amontoados em 310 mil vagas, sendo 195 sem condenação definitiva e 200 mil mandados de prisão em aberto. De fevereiro de 2012 a março de 2013, houve 121 rebeliões e 769 mortes, com média de 2, 1 mortes por dia dentro dos presídios, além de 2,7 mil lesões corporais. Estima-se que tenhamos hoje uma taxa de reincidência de 60%. O déficit de vagas no Brasil é de 237 mil vagas. Além disso, calcula-se que mais de 5% estejam indevidamente encarcerados. Numa projeção teremos em 40 anos, 3 milhões de pessoas presas. Em Mato Grosso do sul a superlotação carcerária é de 12.400 presos com capacidade de lotação de 6.446.

Apesar desse teatro de terror a luta da Ordem continuará a enfrentar a cultura da desobediência à lei, no caso, o descompasso entre a Lei de Execuções Penais e a sua negação sistemática por ação e omissão do Estado, certo de que, como no legado espiritual deixado por André Malraux, citado pelo mais importante penitenciarista brasileiro René Ariel Dotti: “A esperança dos homens é a sua razão de viver e morrer”.

(*) Carlos Magno Couto, é advogado e presidente da Comissão provisória do Sistema Carcerário da OAB/MS.

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