ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 27º

Artigos

Brasil – onde a corda sempre estoura... Do lado errado!

Por Daniel Gabrilli de Godoy (*) | 02/02/2014 13:48

O ditado popular nos ensina que “a corda sempre estoura do lado mais fraco”. Ainda que haja dúvidas a respeito infalibilidade deste talvez-meta-princípio, é inegável que em Pindorama (termo muito bem utilizado por Lenio Streck para referir-se ao Brasil) as coisas, por óbvio, tomam algum rumo estranho ao ditado. Infatti, temos aqui experiências que a corda não necessariamente arrebenta do lado mais fraco, mas com certeza, arrebenta onde não faz qualquer sentido.

Vejamos alguns exemplos que desafiam a lógica mais simplória, porém, nas terras tropicais são de uma presença permanente:

Caso Maranhão: Recentemente um dos estados mais pobres do país ficou mundialmente famoso por uma série de barbáries em seus presídios. Vídeos foram publicados com cenas lamentáveis de violência e decapitação de pessoascustodiadas pelo Estado, pois condenadas foram. Após a publicação destes vídeos as autoridades vieram a público, anunciaram comitês de emergência, etc. Mas onde elas estavam antes? Prossigo. Muito tempo após a noticia percorrer o país, a primeira a se manifestar foi a chefe da segurança pública do Estado, a governadora Roseana-pra-sempre-Sarney: “O Maranhão está atraindo empresas e investimentos. Um dos problemas que está piorando a segurança é que o Estado está mais rico, o que aumenta o número de habitantes” [1].

Diante desta infalível lógica, nada mais a dizer. “Saidera”: E o que dizer dos dizeres mal-ditos de nosso Ministro da Justiça: “É uma disputa praticamente por causa do crack, que tem uma força muito grande, uma disputa de espaço. O que aconteceu em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul não é diferente do que está acontecendo aqui [2].” Mesmo indagando ao Dr. Google, nada encontrei a respeito de captações nestes estados. E claro, onde a corda estourou [3]? Roseana nos brinda com sua perfeita relação de causa-efeito, afinal, a culpa não é de quem gerencia a segurança pública do estado, mas da imprensa:"Divulgar esse tipo de gravação é repudiante, pois só corrobora com uma ação no mínimo criminosa, com apelo sensacionalista e que fere todos os preceitos dos direitos humanos e as leis de proteção ao cidadão e à família [dos detentos mortos], que se vê novamente diante de uma exposição brutal. [4]"

Caso celular: É comum no Brasil assaltos ocorrerem após clientes deixarem estabelecimentos bancários. Os bandidos utilizam a tecnologia para informar seus companheiros de labuta sobre quem sacou dinheiro e, portanto, alvo “ótimo” para o assalto. Muitas hipóteses podem ser levantadas a respeito dos motivos desta violência, todas elas, comuns no Brasil. Polícia sem recursos suficientes, Tribunais com demanda muito superior a capacidade de julgamento, leis que não são cumpridas, a lista é enorme. Segundo Luiz Flavio Gomes, a taxa de resolução de homicídios é de 5%, enquanto nos Estados Unidos 65% e no Reino Unido de 85% [5].

Em outras palavras, os órgãos constitucionalmente encarregados do sistema de segurança não funcionam eficientemente. Diante disso, toma-se a consequência como causa, numa inversão do pensamento newtoniano e volta-se o aparato estatal para Vigiar e Punir (lembrando Michel Foucault) não a quem transgrida o contrato social (no Brasil, claro,flagrantemente Hobbesiano), mas quem é vítima.Diz a lei paulistana 15.429/11: Art. 1º: Fica restrita a utilização de telefone móvel no interior das agências bancárias [...]. Art. 2º: A não observância ao disposto no art. 1º desta lei acarretará a aplicação de multa às agências bancárias[...]. O cidadão é vítima da omissão estatal, logo, a corda deve em seu lado estourar, a este está proibido de usar o celular, ao banco pagar a conta e aos bandidos criarem outras formas de comunicação com igual ou melhor efeito. Nada muda em Pindorama.

Caso rolezinho: Nos últimos dias a imprensa vem noticiando jovens invadindo shopping centers para a prática de bagunça, zona e outros substantivos correlatos. Alguns estabelecimentos conseguiram liminares para que seja obstada esta prática (artigo 932 do Código de Processo Civil) [6].

Assim que foram deferidas as primeiras liminares os ideólogos de esquerda plantonistas já se manifestaram, comuns são os relatos de criação doapartheid social, segregação social, doutrina do Separate But Equal, divisão de castas e tantas outras bobagens.

Duas lições fundamentais podem ser tiradas deste episódio. A primeira delas refere-se aos fundamentos legais. O shopping é espaço privado, possui proprietário(s) e vários possuidores, estes possuem direitos legítimos e constitucionalmente protegidos de exercer suas atividades comerciais.A ordem jurídica vigente elenca estes institutos como direitos fundamentais (propriedade) e coloca também um ônus a ser cumprido, qual seja, esta propriedade deve cumprir uma função social.

Qual seria a função social de um shopping? Atender ao público sem qualquer distinção de cor, raça, classe social, etc..., oferecer segurança aos seus frequentadores, propiciar um ambiente salubre aos funcionários que ali exercem sua atividade laboral, entre outros. Todas essas feições também são determinadas pela constituição, positivação máxima (plano dêontico) dos valores (plano axiológico) de nossa sociedade. Por Deus, onde está a proteção de realizar manifestações arruaceiras em suas dependências? Além de ser local inadequado e desprovido de segurança para que centenas de pessoas invadam uma escada rolante ou corram por entre seus corredores, descumprem a própria função social! Ora, imagine que um cliente (não baderneiro) se fira em uma dessas manifestações.

O shopping poderá até arcar com eventual pedido de indenização (artigo 927, parágrafo único, do Código Civil) e ao mesmo tempo, os ideólogos instam que este tenta realizar um apartheid social ao obrigatoriamente proteger seus frequentadores? A corda estourou em quem não deu causa, até porque, se for uma manifestação para exigir algum direito, não será o shopping que lhes conferirá, mas sim, as autoridades constitucionalmente investidas, assim como o local mais indicado para manifestar-se é algum espaço público e não um espaço privado.

A segunda lição que podemos levantar deste episódio é de cunho sociológico. Verifiquei algumas opiniões a respeito do tema, de maneira resumida, dizem que o rolezinho é uma manifestação dos jovens pela ausência de boas condições sociais (lazer, educação, etc...) na periferia. Traço um paralelo perfeito de meus tempos de faculdade: Em várias ocasiões, preferencialmente em semana de provas, os estudantes de alguns cursos (barba, sandália de couro, passam o dia na universidade sem trabalhar, esbravejam contra o capital citando Marx, idolatram assassinos como Che Guevera e Stalin e voltam para casa em seus automóveis importados) realizavam um belo “panelaço” nos corredores da faculdade de direito, em protesto contra o F.M.I (Fundo Monetário Interacional) ou contra o imperialismo americano.Claro, o não-resultado além de inútil apenas servia ao propósito de importunar os outros, porém, ao clamar por respeito os estudantes de direito são taxados de reacionários, imperialistas, burgueses, direitistas, etc... Como diz Luiz Pondé, além de apenas empobrecer o debate ao se imporemrótulos; a verdadeimpõe-se no sentido de que (i) não necessariamente estes jovens estão a exigir algum direito social (com certeza a maioria está lá só para bagunçar) e (ii) sob os olhos da viúva (novamente tomo emprestado o termo utilizado por Lenio Streck) está se instalando uma nova ditadura, o totalitarismo doproto-coitadismo. Termino aqui a análise do rolezinho, afinal, nada cansa mais do que explicar o óbvio.

Caso da lei seca [7]:A lei sei seca e suas alterações são outra flagrante inversão da relação de causa-efeito no Brasil, a corda já se sabe estourou em quem gosta de beber sem causar qualquer problema. A legislação original do CTB determinava como limite de concentração de álcool no sangue 6dg/L, a média mundial é de 5. É fato notório que o número de acidentes no Brasil é um absurdo, morre-se aqui em nossas vias mais do que em guerras. Mas esta infeliz estatística advém de beber até o limite de6 dg/L ou da falta de fiscalização? Não me recordo de blitz antes de 2006, não havia qualquer fiscalização. Por comoção social, após alguns acidentes trágicos, criou-se a tolerância zero (lei 11.275 de 07.02.06). Como houve apenas a fiscalização pro mídia, que cessou poucas semanas após, os acidentes aumentaram. Novamente, novos acidentes trágicos e nova mudança normativa aumentando as penas (lei 11.705 de 19.06.08), mais uma vez, fiscalização pro mídia. Os efeitos são os mesmos, afinal, já dizia Einstein “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Então vem a mesma solução, lei 12.760 de 21.12.12, aumentam-se as penas, mantém-se a fiscalização para aparecer no jornal da globo (que após cessou, lógico). Resultado diverso? Nosso transito está mais seguro? Seria o álcool o principal vilão? Ou será a certeza da impunidade que faz com que as pessoas bebam (mais de 6dg/L), corram, realizem racha... O que se verifica na verdade é que a falha de fiscalização faz com que a lei não seja cumprida e ao invés de aplica-la, torna-se ela mais rígida para também não ser aplicada. Afinal, é muito mais fácil proibir todos de beberem com (quando existem) blitz aleatórias do que prender e punir aquele que ceifar a vida de alguém no transito (alcoolizado ou não), semelhante (i)lógica da lei municipal paulistana acima citada.

Caso inconsciente coletivo populacional: Todos nós já nos deparamos em apresentações de novela. Todas elas possuem alguns personagens padrão: O Rico – inescrupuloso, ambicioso, maquiavélico que deseja dominar o mundo massacrando os demais,com exceção de Marco Aurélio em Vale Tudo, todos se dão mal. Exemplos: Felipe Barreto (O dono do mundo), Carminha (Avenida Brasil), Odete Roitman (Vale Tudo), Renato Villar (Roda de Fogo), Olavo Novaes (Paraíso Tropical), entre outros.

No mesmo passo, toda novela tem a representação do povo honesto, que luta pelo ganha pão, são bonzinhos, quase servis, normalmente da classe baixa e que acima de tudo respeitam as demais pessoas e são felizes.

Outros fatos também ganham novas dimensões, a favela passa a ser chamada de comunidade (já que não a urbanizamos ao menos podemos rebatizá-la), o piscinão de ramos – construído para dar uma alternativa à população da zona norte carioca – se torna celebridade (“cada mergulho um flash”) como forma de evitar o deslocamento até regiões como Leblon e Ipanema e, finalmente, até exercendo um poder extraterritorial a polícia prende um gigolô...Na Turquia!
São apenas ficções.

Em outro sentido, verdadeiras bandas e suas músicas são paulatinamente substituídas por frases soltas sem estrofes, numa batida monotonal, em que todos são envolvidos pelos sons e despidos de qualquer pensamento crítico, em circular processo regressivo intelectual, canta-se algumas canções que possuem apenas vogais, outros fazem quadradinhos de 4, 8, 12, etc..., em uma exuberância do processo de infantilização e simplificação a fim deincutir “pensamentos”acríticos. No mesmo Brasil em que se ouviu Que País é esse? Impera agora a parnasiana canção do Lek-Lek-Lek como forma de deglutição oswaldiana (invertida).

Imaginem que tais mensagens de ficção são há décadas incutidas em um povo cuja educação é péssima, que não possui o hábito da leitura e a única fonte de informação é a televisão.

Ao mesmo tempo, cria-se como forma imperial de canção (e dá-lhe Esquenta!) mono-tons, mono-batidas,mono-sílabas, mono-raciocícios tão fáceis que qualquer pessoa pode se tornar o MC da moda, sem mesmo saber o que é escala musical. As principais fontes de cultura de um povo avesso a leitura e ao mérito (principalmente educacional), tornaram-se apenas instrumentos de estereotipização e de criação de um falso orgulho de ser aquilo que na verdade não se quer, é a periguitizaçãoda cultura brasileira.

Podemos citar ainda outros exemplos apenas para o (e)leitor pensar:

Índios: dizem que temos uma dívida com eles (não estávamos aqui em 1500).Ainda que representem apenas 0,47% da população do Brasil possuem 12,5% do território nacional (IBGE, 2010) – eis o novo latifúndio (produtivo?).
Novos presos políticos: Condenados pelo devido processo legal, de acordo com a Constituição, os mensaleiros agora se tornam os novos “presos políticos” (na verdade deveriam ser apenas políticos presos), José Genuíno está em campanha para arrecadar fundos a fim de quitar sua multa [8], e para orgulho da nação, conseguiu.
Incentivo ao transporte coletivo: Errei. Incentivo de IPI é apenas para transporte individual (automóveis), ônibus ainda são tributados.

Diante destes exemplos, o seguinte quadro se apresenta: A construção do Brasil se deu em invertidas bases (além da tristeza- recomendo a leitura do livro Retrato do Brasil – Ensaio sobre a tristeza brasileira de Paulo Prado, 1928), se no mundo civilizado um problema é atacado em sua origem, na lógica relação de causa-efeito, nas terras tupiniquins a inversão lógica impera. Diante de determinado problema, e claro problemas são difíceis de resolver, opta-se macuinicamente (“Ai que preguiça...”) por atacar os efeitos, pois além de ser mais fácil é mais midiaticamente proveitoso. Destas pseudo-soluções mágicas e maquiadas decorrem outros problemas, que também são atacados em seus efeitos, ou pior, ataca-los torna-se uma questão proibitiva diante da ideologia monárquica-demagógica que vem sendo construída no Brasil. Diante destas questões a indagação final é que ponto essa ruptura que vem sendo causada na sociedade pelo espetáculo maquiado poderá ainda sustentar um Estado Democrático de Direito sem que experimentemos novamente um estado de natureza Hobbesiano?

(*) Daniel Gabrilli de Godoy – Sócio do escritório Cardillo & Prado Rossi Advogados. Pós Graduado em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Paulista de Direito (EPD). Pós-graduado em Direito Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas – SP. Mestrando em Direito Administrativo pela PUC/SP. Master em Direito Privado Europeu, em 2006, pela Universitá degli studi di Roma, La Sapienza. Conselheiro da Lexnet – Law Firms Alliance

Nos siga no Google Notícias