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Conselho Nacional de Justiça precisa conhecer limites

Roberto Di Cillo (*) | 11/10/2011 07:05

No mínimo, a ação iniciada pela Associação dos Magistrados Brasileiros e em curso perante o Supremo Tribunal Federal permite um amplo debate sobre o âmbito de atuação que é permitido ao Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, para que o órgão, cuja criação partiu de um conceito positivo e, até certo modo, inserido na idéia de boa governança pública, em momento crucial e em que se discute a relativa ineficiência do judiciário e, por que não, inúmeros escândalos de corrupção que já não são novos envolvendo magistrados brasileiros.

Quanto à corrupção, vale lembrar que o Brasil ocupa uma infeliz 69ª posição no ranking da respeitada transparência internacional. Se a metodologia adotada pela entidade é a melhor, perfeita, ou não, a questão é que os brasileiros sabem e a mídia não se cansa de noticiar que há um nível inaceitável de “jeitinhos”, “facilidades” e patente tráfico de influência em diversos níveis dos vários Poderes.

Falando em poderes, é interessante lembrar que os deveres previstos no artigo 37 da Constituição Federal não são aplicáveis apenas ao executivo. O judiciário está sujeito, por exemplo, aos princípios ali previstos de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

E aqui entra ou deveria entrar o CNJ, que faz parte do judiciário, nos termos da Emenda Constitucional 45 de 2004. Está ele imune ou isento da obrigação de cumprimento dos princípios acima mencionados? Naturalmente que não.

A decisão no Mandado de Segurança 30.793, impetrado pelo Estado do Rio de Janeiro no Supremo Tribunal Federal em julho deste ano já deveria ter fixado com clareza o que o CNJ deve e pode fazer (seria o CNJ “um órgão de natureza exclusivamente administrativa, com atribuições restritas ao controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura”). Mas parece que alguém ali andou esticando os limites.

Leia-se a notícia veiculada no próprio site do CNJ: “CNJ determina que cartórios controlem compra de terras por empresas controladas por estrangeiros”

A corregedoria do conselho nacional determinou que hoje que os cartórios de registro de imóveis do país passem a informar, trimestralmente , às corregedorias dos tribunais de justiça todas as compras de terras por empresas brasileiras controladas por estrangeiros.

A medida foi adotada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, em resposta ao requerimento da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Pedido de Providências 0002981-80.2010.2.00.0000) e põe fim a uma discussão que se arrasta desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, sobre se deveria ou não haver controle das compras de terras por empresas nacionais controladas por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras.

No entendimento da Corregedoria Nacional de Justiça os cartórios extrajudiciais de notas e de registro de imóveis estão submetidos às regras e procedimentos disciplinados na Lei n. 5.709, de 1971. De acordo com a lei, se os tabeliães não prestarem as informações estarão sujeitos à perda do cargo. As aquisições de terras podem ser anuladas, caso sejam denunciadas e comprovadas irregularidades nos limites impostos pela legislação.

No final dos anos 90, a Advocacia-Geral da União chegou a emitir parecer favorável à liberação do controle dessas compras, decisão que vinha sendo questionada pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União. A Corregedoria Nacional de Justiça explica que regulamentação na esfera administrativa pelo Poder Executivo fica limitada aos órgãos da administração. Portanto, os cartórios notariais e registrais do serviço extrajudicial do Poder Judiciário são regidos por orientação própria derivada da interpretação direta da lei na esteira de sua autonomia institucional.” (grifos nossos)

A integra da notícia acima, assim como a decisão do Ilustre Corregedor do CNJ, encontram-se publicamente disponíveis em http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/9444:cnj-determina-que-cartorios-controlem-compra-de-terras-por-empresas-controladas-por-estrangeiros (data de acesso: 4 de outubro de 2011).

Pergunta-se: o que a Corregedoria do CNJ tem, em termos de competência e em uma espécie de parceria com a Advocacia Geral da União, para ressuscitar o Parágrafo 1º do Artigo 1º da Lei n. 5.709/71, uma Lei da época da Ditadura, que já tinha caído em desuso, se é que foi recepcionada pela Emenda Constitucional 06? Diga-se de passagem, tal espécie de parceria com a Advocacia Geral da União hoje parece render ao CNJ uma defesa pública de sua ampla e irrestrita atuação, o que no mínimo já colocaria em suspeita a independência entre um e outro órgão.

O conceito que deu origem ao CNJ, de controle disciplinar da magistratura, discutido desde pelo menos o período pós edição da Constituição em 1988, ainda é louvável e atual para evitar, por exemplo, que Tribunais tomem decisões contrárias ao melhor interesse público simplesmente porque juízes convocados não querem se indispor com o Executivo Federal em alguma questão e, portanto, não decidem contrariamente ao fisco para que possam ser incluídos e efetivados em alguma promoção para o Tribunal. Não pode, contudo, servir como respaldo para decisões realmente arbitrárias, desprovidas de qualquer verificação prévia de compatibilidade com o melhor interesse público (primário), que não deve ser confundido, como costuma acontecer na Administração Pública, com o interesse da própria Administração Pública, que, na doutrina nacional e estrangeira, já há muito vem sendo classificado como um interesse público secundário.

E é até curioso que, sob o argumento equivocado de proteção de um interesse que seria nacional, o CNJ, com o amplo apoio da AGU, queira promover barreiras ao investimento estrangeiro no país, numa espécie de neo-isolamento que, com certeza, poderá determinar uma falta de oportunidades para que a comunidade internacional possa continuar a contribuir para o crescimento do país de uma maneira saudável, inclusive aportando tecnologias e soluções importantes até para a melhoria da produção agrícola, como um exemplo, sem falar na transparência que a heterogeneidade criada pela participação de estrangeiros, via empresas por si legitimamente controladas, tende a proporcionar.

Óbvio que isto não está a dizer que abusos de quem quer que seja, brasileiros ou estrangeiros, não devam ser coibidos.

Em outras palavras, as restrições à participação de estrangeiros determinadas pela Corregedoria do CNJ e convalidadas pela AGU no Parecer CGU/AGU 01/2008-RVJ, Parecer este celebrado pelo próprio CNJ em notícia veiculada em seu site logo na seqüência da publicação no Diário Oficial (veja-se a celebração em http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/9664:limitada-a-aquisicao-de-terras-brasileiras-por-estrangeiros) (data de acesso: 4 de outubro de 2011), pressupondo, inclusive, abuso de forma ou confusão patrimonial que permitiriam a desconsideração da personalidade jurídica de empresas constituídas no Brasil, além de contrárias ao sistema Constitucional atualizado democraticamente com a Emenda Constitucional 06/95, criam obstáculos ao próprio desenvolvimento do Brasil, potencialmente privando o país de uma importante janela de oportunidades para intercâmbio, constante renovação do parque agro-industrial e até maior transparência proporcionada pela participação de agentes externos.

(*) Roberto Di Cillo é advogado em São Paulo, LLM pela Universidade de Notre Dame (EUA/Inglaterra).

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