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Convenção ou acordo coletivo do trabalho

José Carlos Manhabusco (*) | 06/12/2011 15:32

Como reflexão ao contido nos dispositivos constitucionais, é bom que se enfatize a razão teleológica do reconhecimento e aplicação dos direitos individuais e das garantias fundamentais em detrimento ao direito coletivo. Não se pode atribuir maior valor e prioridade ao direito coletivo, especialmente aos contratos coletivos, antes de se reconhecer e garantir a eficácia e efetividade dos direitos e garantias individuais do empregado.

Na oração dos incisos que compõe o art. 7º da CF/88, verifica-se que primeiro são observados os direitos individuais, para, somente depois fazer alusão ao direito coletivo.

Dispõe os incisos XIII, XIV e XXVI do art. 7º da Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

[...]

A proteção jurídica alcança em primeiro plano os direitos e garantias fundamentais individuais, ainda mais, no que concerne aos direitos sociais.

Daí porque, em fala magnífica no 51ª Congresso de Direito do Trabalho, realizado pela Editora LTR, na cidade de São Paulo, no mês de junho/2011, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho – Maurício Godinho Delgado - asseverou acerca da “Constitucionalização do Direito do Trabalho” como norte ao equilíbrio das relações trabalhistas e do cumprimento aos princípios formadores do Direito do Trabalho.

Assim, a Constituição Federal não autoriza à flexibilização da garantia mínima, mas sim, faculta a livre negociação por parte das entidades sindicais, desde que não prejudique, retire ou diminua os direitos mínimos concedidos pela legislação infraconstitucional.

E não poderia ser diferente, pois, a norma nasce de árdua discussão e debate no Poder Legislativo, sendo certo que os representantes sindicais não possuem legitimidade para legislar, quanto mais retirar e/ou diminuir os direitos reconhecidos legalmente aos empregados.

A parte final da redação do art. 8º da CLT consagra o princípio do ramo do Direito Administrativo, qual seja do interesse público sobre o privado.

O procedimento não deveria ser de outro modo, pois as vertentes derivadas do Princípio da Proteção (in dubio pro operário - interpretação da norma mais favorável, aplicação da norma mais favorável e a condição mais benéfica) consagradas pelo mestre uruguaio - Américo Plá Rodriguez -, não podem ser objeto de descarte diante dos interesses dos sindicalistas em estabelecer cláusulas que traduzam em verdadeiro vilipêndio ao direito consubstanciado na norma constitucional, bem como nos dispositivos celetistas.

Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, princípios são mais do que normas, servindo como vetores para soluções interpretativas.

Em que pese à vontade de aprofundar sobre a natureza jurídica do Direito do Trabalho (público e/ou privado) essa não é a pretensão. Para não passar a largo, convém atestar a reflexão doutrinária de Mario De La Cueva, citado por Arnaldo Süssenkind, destacando a origem, o conteúdo, a finalidade e o propósito da normatização jurídica para caracterizar a sua natureza.

Na verdade os princípios que fazem parte do Direito do Trabalho são utilizados não mais para proteger simplesmente o empregado, mas sim a relação estabelecida entre trabalhadores, empregadores e destes com o Estado, procurando o equilíbrio entre a proteção e a tutela do trabalho e, acima de tudo, o bem maior, isto é, a paz social (harmonia político-social).

O trabalhador necessita do emprego para sobreviver e o empregador do trabalhador para poder produzir, ou seja, há interesses mútuos entre o Capital e o Trabalho, porém, sempre, e regulados pelo Estado.

Na visão do magistério de Süssenkind, “Toma, assim, o Direito do Trabalho um conteúdo mais amplo, mais vivo e mais humano, procurando realizar seu grande objetivo da paz social, sob a qual todos os homens terão sua dignidade respeitada, com a qual os direitos do Capital e do Trabalho serão recíprocos. E só assim desaparecerão as grandes divergências que põem em perigo a segurança e a estabilidade na vida de cada ser humano”.

Para melhor compreensão do significado de “interesse público” e “interesse coletivo” veja as seguintes conceituações:

Ao contrário do privado, é o que assenta em fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Está, pois, adstrito a todos os fatos ou a todas as coisas que só atendam de benefício comum ou para proveito geral, ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva.

Interesse coletivo, ao contrário, é aquele relativo a certo grupo ou uma coletividade de pessoas.

De sorte que, não se pode confundir interesse público com interesse coletivo ou interesse econômico. A par da diferença dos institutos, no presente desafio quer parecer que o interesse coletivo está contido no interesse público. E nessa incursão há paradigma doutrinário.

Para o ícone Arnaldo Süssenkind, “As normas concernentes à tutela do trabalho, com as quais o estado coloca os indivíduos e grupos, sobre quem elas incidem, subordinados à própria vontade, estabelecendo limites mínimos de proteção, onde prevalece, intensamente, o interesse coletivo que encarna. Tais normas são de caráter imperativo, de ordem pública e irrenunciáveis, sendo que a inobservância ou violação das mesmas enseja a aplicação de multas recolhidas em favor do próprio estado – sintomas que bem caracteriza a intensidade de interesse do estado, sua presença na aplicação dos preceitos que impôs e a relação de subordinação a que já aludimos. Ponderemos, por oportuno, que entre as normas de direito público podem coexistir preceitos de índole dispositiva ao lado dos de caráter cogente”.

Por corolário, como exemplo, pode-se verificar as normas de inspeção do trabalho e da Organização Judiciária do Trabalho.

A autonomia sindical, sob o prisma da flexibilização consagrada na Constituição da República de 1988, não foi outorgada de forma plena e irrestrita, como bem enfatizou o mestre Süssekind, há limites mínimos de proteção.

A organização sindical; o direito à negociação coletiva e à greve pode ser vistos como normas de direito público e privado, eis que o legislador constitucional impôs limites para sua atuação e formação.

Insta lembrar que a efetiva autonomia da vontade coletiva ainda representa uma barreira a ser ultrapassada. Sem embargo de outros pensamentos, o que se presencia nos contratos coletivos (convenção e acordo coletivos) é o pouco avanço e conquista dos direitos das minorias.

Se a entidade sindical é forte a negociação é mais proveitosa.

A interpretação ofertada pelos Ministros integrantes da Sessão de Dissídios Coletivos do C. TST é a de que: “Não é possível a prevalência de acordo sobre legislação vigente, quando ele é menos benéfico do que a própria lei, porquanto o caráter imperativo dessa última restringe o campo de atuação da vontade das partes (SDC n. 31 do TST)”.

E finaliza o consagrado e partícipe da construção da CLT, “A necessidade de proteção social aos trabalhadores constitui raiz sociológica do Direito do Trabalho e é imanente a todo o seu sistema jurídico”.

O silogismo final para reflexão:

Se o interesse de classe ou particular não pode prevalecer sobre o interesse público;

Se o Princípio da Proteção resulta das normas imperativas, isto é, de ordem pública;

Se as normas de ordem pública caracterizam a instituição básica do Estado nas relações de trabalho;

Se as normas de ordem pública visam impor obstáculo à autonomia da vontade;

Se o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal de 1988, não outorga poderes às empresas e às entidades sindicais para revogar a Lei ou para diminuir ou suprimir vantagens deferidas por Lei aos empregados;

Então, as condições estabelecidas nos contratos coletivos do trabalho (acordo ou convenção coletiva) somente podem complementar ou suplementar o mínimo da proteção legal, mas, jamais ser objeto de transação para prejudicar os direitos já adquiridos pelos trabalhadores!

(*) José Carlos Manhabusco é advogado trabalhista e escritor

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