ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, TERÇA  23    CAMPO GRANDE 24º

Artigos

Desarmamento: de novo? Não!

Por Nelson Valente (*) | 14/04/2011 11:08

Uma nova discussão sobre um novo referendo do desarmamento da população. A afirmação foi feita após a entrega de proposta de um novo plebiscito sobre a posse de armas para civis pelo presidente do Senado José Sarney.

Se o cidadão fica responsável pela sua própria defesa, fazendo justiça por conta própria, com a privatização do poder de polícia, corremos o risco de uma guerra civil. Não é isso que se deseja – e certamente a solução passa por uma educação de boa qualidade estendida a todos. O plebiscito sobre o desarmamento é demagógico, inócuo, com objetivos imagéticos, factóides, etc.

O senador José Sarney tem ciência de que um abismo separa o Brasil legal do Brasil real. Amainada a febre da disputa do Poder, silenciados os empuxos de um amor próprio tantas vezes malignamente ferido, um moço sério causticado, mas não corrompido pela vida, defronta-se com o seu estranho destino.

Subordina-se a realizar o impossível, a causar o antagônico, a harmonizar um pobre Brasil real, lastreado pelos reclamos do subdesenvolvimento, pelas glórias entrevistas da sua destinação histórica, às imposições, às contingências do Brasil legal, reverso do primeiro.

O que é o Brasil legal? O Brasil legal, juridicamente obsoleto , têm a sua máquina administrativa emperrada e protegida por leis que o eleitoralismo vigorante cedera, uma a uma, aos interesses de classes e grupos. Têm as suas estruturas políticas pulverizadas entre os partidos que lhe formam o Congresso e que se subdividem - em alas e tendências, internamente divorciadas, mas sempre conformadas nos ultimatos ao Executivo.

O povo brasileiro considera a educação como principal fator de mudança na sociedade. Por falta de marketing e a existência de circunstâncias sobre as quais não se tem domínio, como é o caso da segurança e da saúde, a educação passou a uma posição secundária, o que dificulta considerá-la prioridade.

Para o leigo, ela deixou de ter a mesma importância de dez ou 15 anos atrás.

Entre as reformas preconizadas para a educação brasileira, seria originalíssimo pensar numa estratégia de marketing que valorizasse a vontade política do país, no sentido de dar à educação a precedência que lhe é devida. Só assim, viveríamos novos tempos de esperança, no setor que é fundamental para o nosso crescimento rápido e autossustentado.

Os próprios governantes brasileiros reconhecem que, em virtude da incidência de muitos crimes, os governos são obrigados a dedicar grandes somas às polícia e ao sistema judiciário. Melhor fariam, é claro, se pudessem colocar esses recursos para melhorar o atendimento educacional, oferecendo uma solução de raiz, que falta ao Brasil.

O exercício pleno da autoridade, que se tem omitido de forma lamentável, e uma ampla campanha de esclarecimento para a população brasileira, sobre o desarmamento, com os seguintes dizeres: Está na hora de mudar isso. A educação é o caminho, antes que o país afunde de vez na ignorância, miséria e violência. De outra forma, estaremos caminhando para o sacrifício de toda uma geração.

O governo deveria criar programas de visitas surpresa às famílias que possuem crianças, campanhas de educação e sensibilização, assim como políticas para limitar o acesso "muito fácil" às armas e às drogas poderiam ser eficazes para reduzir o nível de violência nas famílias e nas escolas. Dar prioridade à prevenção e de criar sistemas e serviços de proteção infantil facilmente acessíveis para as crianças.

Na família, na escola, as crianças costumam sofrer diversas agressões - violência física, verbal, humilhações ou ameaças - encobertas por justificativas disciplinares. No caso dos abusos sexuais, costumam ser cometidos por algum membro da família ou por pessoas próximas.

Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida? Que custo isso nos traz? Estes que morrem nas ruas, nas chacinas, nos assaltos, não são nossos parceiros de guerra?

Aceitar que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação.

Que a violência aterrorize e que diante de uma cena assim todos pareçam dizer: "já que não é comigo não vou me meter", que a solidariedade desapareça por um risco de se expor a própria vida, a isso já nos acostumamos! Sob as vistas complacentes das autoridades e até mesmo de muita gente fina da nossa melhor sociedade, que acha tudo isso natural numa democracia.

O que pleiteiam os educadores e os homens de bom senso é a solução de base, ou seja, escola para todos – educação máxima – a fim de que não se tenha de chorar a impiedosa ação dos marginais, hoje os verdadeiros donos das ruas e favelas das nossas grandes metrópoles.

Os assaltos são sucessivos, não se tem garantia de nada, mata-se por qualquer bobagem. Na recente escalada de crimes cometidos no Brasil, nenhum massacre foi mais grave e sangrento do que esse de Realengo/RJ. Pela extensão, o espetáculo macabro avançou um patamar no rol de explosões periódicas de insanidade. Volta e meia, malucos saem atirando contra multidões. Movidos por convicções obscuras.

Adolescentes ou adultos desequilibrados, malucos com manias conspiratórias e outras anomalias não são, obviamente, exclusividade americana. Não se encontra em outros países, contudo, nada similar em termos de explosão gratuita de violência assassina.

Alguma coisa muito errada, maligna, se esconde nas entranhas da sociedade brasileira. Quando vem à tona, todo o mundo se pergunta como é possível que horrores assim ocorram num país como o Brasil.

Professores e colegas também não aquilataram o perigo, mas para isso pode haver uma explicação. No ambiente ferozmente competitivo das Escolas Públicas e Particulares, os alunos são virtualmente forçados a se agrupar de acordo com seu prestígio e seus talentos.

O previsível, porém, é que gente muito desajustada no Brasil e sempre consegue acesso desimpedido às armas de fogo. Prefiro fazer uma previsão tristemente óbvia: "Há um grande número de outros garotos por aí que estão acumulando ressentimentos dentro de si, e fora do nosso alcance". Ou seja: vai acontecer de novo.

(*) Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor.

Nos siga no Google Notícias