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Do virtual ao real. O Cadastro Nacional de Adoção.

Cristiana de Faria Cordeiro (*) | 08/03/2011 16:27

Sem respostas. Não seria exagero afirmar que era assim que grande parte dos juízes das varas da infância se viam quando provocados a “prestarem contas” sobre as adoções nas suas comarcas: quantas adoções foram realizadas no ano? destas, quantas por pretendentes habilitados? quantas de crianças mais velhas, ou de grupos de irmãos ? quantas devoluções de crianças ocorreram? Estas eram apenas algumas das questões vitais para se traçar um censo e um diagnóstico das adoções no Brasil que ficavam quase sempre sem resposta ou, quando muito, mereciam respostas pouco confiáveis.

Ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente já previsse, desde 1990, a obrigatoriedade de manutenção de cadastros locais, tanto de pretendentes habilitados como de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas, na prática, muito poucas varas os mantinham, sendo em somente algumas unidades da federação de forma informatizada.

Foi então que, por iniciativa da Conselheira Andrea Pachá, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, editou a Resolução nº 54, em 29/04/2008, criando o Cadastro Nacional de Adoção – CNA. Publicada no dia 08/05/2008, fixou um prazo de 180 dias para que todas as informações relativas a pretendentes e a crianças/adolescentes fossem inseridas no CNA.

Ao mesmo tempo em que veio clarificar os dados judiciais sobre as adoções no Brasil, o sistema foi engendrado para funcionar, também, como uma ferramenta de BUSCA de pretendentes para crianças que – até então – viam a procura por uma nova família restrita ao limitado círculo composto pelos habilitados na comarca (ou, quando muito, no Estado).

É bem verdade que muito antes de se pensar neste mecanismo para a criança, os habilitados já se valiam da “distribuição” de sua habilitação por diversas comarcas para ampliar suas chances de adotar mais rapidamente.

Com a nova ferramenta, ao invés de haver um deslocamento físico do pretendente para tais lugares, basta que o pretendente informe que – além de seu estado de RESIDÊNCIA – aceita adotar em tais e quais unidades da federação.

Cada vez que o juiz ou sua equipe técnica consultar a relação de pretendentes interessados, o nome daquele habilitado figurará na listagem, em se tratando de uma criança com o perfil escolhido pelo mesmo.

Percebi que há muitas pessoas discutindo este aspecto do CNA, de forma bastante inflamada, sentindo-se “prejudicadas”, até, porque há uma sugestão no manual do CNA de que sejam convocados em primeiro lugar os residentes na comarca, em ordem cronológica, para somente se inexistirem habilitados na comarca, se passar à convocação dos residentes em outros estados.

Não há – de verdade – qualquer mudança ou prejuízo, já que caberá ao juiz – ao deferir a indicação deste ou daquele habilitado – lançar sua decisão (como sempre deve ser) de forma fundamentada.

Mesmo antes do CNA, o juiz podia optar por esgotar a busca em seu cadastro de residentes na comarca, antes de partir para a busca entre os não-residentes. Da mesma forma, podia – de plano – indicar pretendente de outra cidade, por acreditar que era mais conveniente que determinada criança residisse em outro estado (por exemplo, porque seria facilmente reconhecida pela família biológica, caso permanecesse no local).

Este é somente um exemplo, mas já ouvi diversos detratores do CNA que sequer sabem como o sistema funciona, mas o criticam assim mesmo. Acham que não vai “colar”. Mas aqui é bom esclarecer: o juiz não tem a opção de não inserir os dados sobre adoções no cadastro, pois está sujeito a responder a procedimento administrativo se não o fizer.

Voltando, então, à BUSCA, ferramenta do CNA que possibilita o encontro entre as crianças e suas famílias. Talvez, aqui, um dos grandes méritos do CNA seja colocar nossos pés no chão.

Enquanto escrevo, há 14.574 pretendentes (ou casais) inseridos no sistema, para 2060 crianças ou adolescentes cuja situação jurídica de disponibilidade para adoção é definitiva (pais destituídos do poder familiar, pais que entregaram voluntariamente ou crianças/adolescentes órfãos).

A maioria esmagadora de pretendentes é das regiões sul e sudeste, sendo São Paulo a unidade da federação que concentra mais pessoas inscritas para adotar.

38,97% dos habilitados só aceitam adotar uma criança branca. Se uma menina branca, sem irmãos, com até 12 meses de idade for disponibilizada para adoção no Rio de Janeiro, ela encontra hoje 5132 pretendentes em todo o Brasil.

Um menino do Rio de Janeiro, negro, de 8 anos, com um irmão ou irmã, encontra (em tese, já que são necessários contatos telefônicos, pois às vezes já houve adoção e o sistema não foi atualizado) 22 pretendentes no Brasil.

A faixa etária predominante para aqueles que esperam uma família é de 12 a 14 anos. Há crianças bem pequenas, mas aí entram outros dados que não as colocam dentro do perfil mais desejado: têm irmãos, ou têm doenças ou deficiências.

Há 319 grupos de irmãos cadastrados. Alguns destes, formados por 6, 7 e até 8 irmãos! Todavia, 84,17% dos pretendentes no Brasil se inscreveram para a adoção de apenas uma criança.

É aqui, dentro destes dados da realidade, que vejo como fundamental o papel dos GAA’s na busca de famílias para as crianças que existem.

O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária confere aos GAA’s importante papel na “conscientização, sensibilização e desmistificação da adoção e criação de programas de incentivo à adoção, sobretudo, daquelas crianças e adolescentes que, por motivos diversos têm sido preteridos pelos adotantes, bem como busca ativa de famílias, com eqüidade de gênero e respeito à diversidade familiar, para as crianças maiores e adolescentes, afrodescendentes ou pertencentes a minorias étnicas, com deficiência, com necessidades específicas de saúde, grupo de irmãos e outros, priorizando-se a adoção nacional para garantir-lhes o direito à convivência familiar e comunitária”.

Pensar no desmembramento destes grupos gigantescos de irmãos – desde que mantidos os vínculos entre eles – para que sejam adotados por integrantes de um mesmo GAA, por exemplo, é só uma das infinitas hipóteses de trabalhos que podem ser desenvolvidos a partir deste conhecimento que o cadastro traz.

O Cadastro Nacional não acelera ou facilita a adoção para uma criança recém-nascida e em perfeitas condições de saúde: para esta, há filas de anos de espera. Mas ele é a ferramenta de que precisamos para tirar do “limbo” tantas crianças cujo destino seria crescer num abrigo. Será a inevitável, inadiável e urgente aproximação entre os GAA’s e as varas da infância e da juventude, seus juízes e suas equipes e, também, o Ministério Público, que trará estas crianças e suas famílias do mundo virtual para o real.

(*) Cristiana de Faria Cordeiro, juíza de Direito no Rio de Janeiro, é integrante do Comitê Gestor do CNA

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