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Esperança e resistência

Por Emiliano José (*) | 29/07/2011 06:02

Creio que desde que a política se tornou uma espécie de pacto civilizatório, sem o qual prevalecem as ditaduras de quaisquer espécies, as indagações sobre sua natureza e eficácia são permanentes. E ainda bem, porque são as dúvidas e as pressões que permitem a ela se renovar, ao menos se o campo da política tiver capacidade de ouvir. Há conjunturas em que as pressões e indagações são maiores. Creio que vivemos um tempo assim, de muitas dúvidas sobre a política. No Brasil e no mundo.

E isso decorre de uma crise inegável em que está mergulhada a democracia representativa. Neste formato político, em que os parlamentares se enclausuram depois de eleitos, não parece fácil a eles ouvirem o clamor das ruas, para falar apenas do Legislativo. E se eles não enfrentam, como na maioria dos países, a possibilidade de serem sacados de seus mandatos na hipótese de não cumprirem o programa com que se apresentaram aos eleitores, maior ainda a dificuldade da interlocução. Isso cria um fosso entre o parlamentar e o cidadão ou cidadã que o elegeu.

Esse quadro, e considerando-se ainda as inevitáveis alianças políticas que a governabilidade exige em todos os países, e exige até mesmo para o cumprimento dos programas políticos com que os detentores de cargos executivos se apresentaram ao povo, vai configurando, muitas vezes um sentimento de desesperança. Ao menos em camadas da nossa juventude e em setores das camadas médias intelectualizadas, e aqui me aproximo mais do cenário brasileiro. Tenho ouvido muito esse sentimento de desesperança tomar conta de alguns.

Tenho replicado, sempre, que os últimos anos, sob o governo de Lula e agora sob o de Dilma, não nos dão motivos para esse sentimento. Afinal, melhorou, e muito, a vida do nosso povo, nesses oito anos e meio, como fruto da política, das políticas públicas colocadas em prática pelo governo, e que contaram, de qualquer maneira, com a parceria do Legislativo. Não desconheço, no entanto, que há razões nos argumentos dos que nos alertam para a importância de sustentar valores e princípios que nos são caros e, também, buscar caminhos que garantam efetiva participação do povo na res publica. Nada disso é fácil ou simples.

Faço essa introdução para recomendar uma leitura: a do extraordinário livrinho denominado "Indignai-vos!", do alemão naturalizado francês Stéphane Hessel, uma espécie de panfleto da esperança e da indignação, uma conclamação à revolta firme e pacífica dos povos contra, como ele aponta, dois grandes desafios: a imensa distância entre os muito pobres e os muito ricos e os direitos humanos e o estado do planeta. Aqui cabe um quase inocente esclarecimento, mas que considero da maior importância: Hessel tem 93 anos. Como ele mesmo diz, na abertura de seu livro, pode-se falar em "etapa final", e que "o fim não está longe". E diz isso sem qualquer acento melancólico. Ao contrário.

Ele afirma que é uma sorte poder estar vivo, e firme, para lembrar o que serviu de base ao engajamento político dele, os anos em que participou da resistência francesa. Aos jovens, a quem se dirige de modo especial, ele diz: "olhem à sua volta e vocês encontrarão os temas que justificam a sua indignação". Não faltam razões para a ação política indignada, para a intervenção política. "Vocês encontrarão situações concretas que os levarão a praticar ações cidadãs fortes. Procurem e encontrarão!"

O livrinho está vendendo como água em toda a Europa, e serve de motivo para muitas mobilizações. É a força da palavra, a força das idéias, a demonstração de que existe um espírito latente na juventude e nos povos propenso à participação política. E ele conclama a uma insurreição pacífica, o que quer dizer pela via da política, da mobilização não-violenta. Fundada na indignação, mas, sobretudo, na esperança, que às vezes falta naqueles que vão se desiludindo da política. "Devemos ter esperança. Devemos ter esperança sempre". Ele se dirige com carinho a todos que construirão o século XXI, com uma palavra de ordem simples, que chama à luta: "Criar é resistir. Resistir é criar". Nada mais revolucionário. Nada mais criativo.

(*) Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA).

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