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Gripe, ainda um problema de saúde pública

Por Ricardo Martins (*) | 23/02/2012 14:50

Em 10 de agosto de 2010, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu um relatório informando ao mundo acerca do término da pandemia de influenza A H1N1. Entretanto, recomendou nesse mesmo documento que as autoridades sanitárias de todos os países mantivessem a vigilância quanto à circulação de vírus em suas comunidades.

Tal recomendação faz sentido se contemplarmos o conhecimento adquirido pelos pesquisadores na área de virologia. Vírus influenza são membros da família orthomixovírus, contém um genoma RNA de fita simples segmentado. São classificados em A, B e C conforme o perfil antigênico.

Os vírus influenza A possuem, além do homem, ampla faixa de hospedeiros naturais, característica que os fazem ser os principais responsáveis por epidemias e pandemias. Os vírus influenza B são capazes de desenvolver pequenos surtos de gripe em seres humanos, podendo causar doença grave em idosos. Os vírus influenza C foram identificados em seres humanos e em suínos, entretanto até o momento parece não haver envolvimento com a doença no homem.

Os principais determinantes antigênicos do vírus influenza são a Hemaglutinina(H) e a Neuraminidase(N). Ambas são glicoproteínas cuja localização se estende da superfície ao interior da membrana do vírus. A classificação do vírus influenza se faz a partir da presença do subtipo dessas glicoproteínas na superfície de sua membrana. O vírus influenza A pode ser subdividido em 16 subtipos de Hemaglutinina e 9 subtipos de Neuraminidase. Assim o vírus influenza pandêmico de 2009 pode ser classificado em A H1N1.

No homem, a transmissão da doença pode se dar de várias formas, sendo a mais comum o contato direto com gotículas ou partículas expelidos pela pessoa portadora de gripe ao falar, tossir ou espirrar. A real importância de cada uma das formas diretas de contaminação não está estabelecida na cadeia de transmissão viral, mas parece haver a necessidade de uma proximidade de até 1 metro para que o vírus atinja a conjuntiva ou as mucosas nasal ou oral do indivíduo susceptível. Além da contaminação inter-humana, formas diretas de transmissão do vírus para o homem podem se originar de aves e suínos que apresentem a doença.

As partículas virais podem também ser introduzidas de modo indireto nas mucosas oral, nasal e ocular por intermédio das mãos contaminadas por secreções infectadas. As mãos podem também transmitir o vírus quando houver contato destas com objetos contaminados. A sobrevida do vírus fora do organismo é em média de 24 a 48 horas em superfícies duras e não porosas, de 8 a 12 horas em tecidos e papéis e de 5 minutos nas mãos.

Em ambientes domiciliares crianças apresentam uma maior taxa de comprometimento que adultos acima dos 50 anos de idade. Muitas notificações da doença ocorrem em escolas, acampamentos, hospitais e clínicas com modelo de assistência-dia. A capacidade de uma pessoa contaminada transmitir a doença para uma população alvo situa-se foi similar ao da influenza sazonal entre 1.3 a 1.7 contaminações.

As periódicas mudanças antigênicas dos vírus influenza propiciam o fato de, a cada ano se assistir a um novo surto de gripe cujo impacto vai depender da susceptibilidade imunológica da população afetada. As pandemias de gripe estão fortemente associadas a ocorrência de mutações antigênicas. A história moderna registra a ocorrência de 4 pandemias:

1918 – vírus influenza A H1N1

1957 – vírus influenza A H2N2

1968 – vírus influenza A H3N3

2009 – vírus influenza A H1N1

Os surtos de gripe obedecem a um padrão de ocorrência sazonal, que é visto quase exclusivamente nos meses de inverno tanto no hemisfério sul quanto no hemisfério norte. Entretanto, tal padrão é distinto nos países tropicais, onde a doença pode ocorrer ao longo de todo o ano. Essa sazonalidade tem sido modificada com o advento da maior facilidade de viagens intercontinentais. No Brasil, vem-se observando que a prevalência de gripe difere conforme a região avaliada. Na região Norte e em alguns estados do Nordeste observa-se um maior número de casos entre os meses de dezembro a maio, fato que é encontrado de julho a setembro nas demais regiões do país.

As temporadas de gripe costumam aparecer de maneira abrupta, atingir o ápice de notificação de casos registrados em um período de 2 a 3 semanas e durar de 2 a 3 meses.

Na maioria dos relatos de ocorrência da doença, observa-se uma taxa de ataque entre 10 a 20% à população em geral, taxa essa que pode chegar a 50% nas pandemias. Índices cada vez maiores de morbi-mortalidade de gripe tem sido registrados, notadamente nas pessoas integrantes das faixas etárias situadas nas extremidades, nos portadores de comorbidades e nos não vacinados. Fato distinto verificou-se na pandemia de gripe de 2009, as mais altas taxas de morbidade e de mortalidade atingiram além dos segmentos de crianças, adultos jovens e gestantes. A taxa de mortalidade em gestantes foi maior do que na população em geral. Cerca de 30% dos óbitos se deu em indivíduos sem doenças prévias.

Estudos mostram que pacientes com menos que 5 anos de idade ou com mais de 65 anos de idade portadores de comorbidades e que contraem infecção por influenza sazonal tem uma taxa de hospitalização que migra de 20 para mais de 1000 por 100.000 indivíduos.

A prevenção da transmisssão da doença gripal pode ser obtida tomando-se as seguintes medidas:

1. Higienização frequente das mãos com água e sabão;

2. Cobrir a boca e nariz ao espirrar ou tossir;

3. Usar lenços de papel descartáveis para higienizar o nariz;

4. Evitar tocar boca, nariz e olhos com as mãos;

5. Evitar contato próximo com as pessoas infectadas;

6. Não compartilhar alimentos e utensílios;

7. Evitar aglomerações

8. Manter a limpeza e ventilação adequada dos ambientes.

No caso específico da gripe existe ainda o recurso da vacina, destacando-se as de vírus atenuado, as de vírus inativado contendo adjuvantes e as produzidas em culturas de células.

O Brasil adota a vacina anti-influenza composta de vírus inativados, fracionados e purificados. As mudanças antigênicas constantes do vírus influenza determinam a necessidade de alterações anuais da vacina, cuja composição em geral contém 2 fragmentos do vírus influenza A e 1 fragmento do vírus influenza B, como se sabe os grupos A e B do vírus influenza são os de maior capacidade de provocar doença humana.

A definição dessa composição é deteminada por um grupo de especialistas coordenado pela Organização Mundial de Saúde e leva o tempo médio de nove meses para ser produzida em escala industrial. Por essa razão, esses especialistas tomam como base a circulação de vírus identificada no ano anterior ao em curso.

A vacina não deve ser administrada em pessoas portadoras de alergia a ovo, uma vez que são produzidas em ovos. A via de administração é a intra-muscular, embora existam estudos apontando a utilização de pequenas doses via intradémica como estratégia promissora.

Estudos demonstram que a vacina reduz a morbidade e a mortalidade ligadas a infecção pelo vírus influenza. A eficácia parece ser menor em idosos, porém observa-se menor número de pneumonias, hospitalizações e de mortes nesse grupo de pessoas. A vacinação anti-influenza está associada à redução do número de hospitalizações por doenças cardíacas e cerebrovasculares em pessoas acimas dos 65 anos. A taxa de mortalidade por todas as causas é significativamente menor no grupo de vacinados.

Diante desse contexto, causou surpresa para a comunidade científica a solicitação do Painel Consultivo sobre Biossegurança dos Estados Unidos para que revistas científicas omitissem a publicação da metodologia de estudos que investigam mutações do vírus da gripe aviária(AH5N1) em virtude do risco de que pessoas inescrupulosas possam lançar mão dessas informações para empreender ataques terroristas.

Em protesto, pesquisadores da área resolveram promover uma breve interrupção dos estudos como forma de protesto. Infelizmente a natureza não obedece aos governantes de plantão e a circulação de vírus, que tem como uma de suas características, a constante mutação, vai continuar produzindo sérios abalos na saúde das pessoas. Assim sendo, não faz sentido obstar os mecanismos de comunicação científica para estudo do assunto.

Definitivamente o estudo da gripe é obrigatório e faz parte de um vasto elenco de doenças de cuidados comunitários prioritários.

(*) Ricardo Melo Martins é pneumologista da Faculdade de Medicina.

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