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Insólita contradição previdenciária

Por Antonio Cesar Siqueira (*) | 23/03/2011 11:00

O Brasil é o único país no qual até mesmo o passado é imprevisível. Para os céticos quanto à possibilidade de transgressão da lógica física do espaço/tempo, aqui vai uma prova incontestável: ninguém, hoje, em sã consciência, poderia supor que demoraria tanto, desde 2008, o trâmite e votação, no Congresso Nacional, da Proposta de Emenda Constitucional 46, que restabelece o direito à aposentadoria integral dos magistrados, depois de 35 anos de regular contribuição previdenciária.

A estranheza retroativa sobre o caso é ainda maior ante informações escancaradas na mídia de que governadores, inclusive alguns que permaneceram apenas 30 dias no cargo, continuam requerendo e obtendo proventos vitalícios, com o mesmo valor de seu último salário.

São duas situações muito distintas, advindas de equívocos passados, que hoje surpreendem e desrespeitam a inteligência dos brasileiros. É imenso o caráter contraditório! Como se pode aceitar que um governador, que fica no máximo oito anos no cargo, não provendo, portanto, fundo previdenciário suficiente, faça jus à aposentadoria integral, ao mesmo tempo em que se questiona a legitimidade desse direito aos juízes, depois de 35 anos de recolhimento, no qual se gera reserva de recursos de valor até maior ao dos proventos?

Está-se, com essa flagrante dicotomia, desrespeitando duplamente o artigo 201 (parágrafo 7º, incisos I e II) da Constituição Federal, que condiciona a aposentadoria à contribuição durante 35 anos para o homem e 30, a mulher. Os magistrados cumprem as exigências, mas não levam os benefícios; os governadores recebem a vantagem sem cumprir os requisitos.

Para se entender melhor como essa situação é absolutamente equivocada no caso dos juízes, é importante lembrar que as sucessivas reformas da Previdência, principalmente a Emenda Constitucional 41, de 2003, que extinguiu a aposentadoria integral dos servidores públicos, submeteram a Magistratura a redutores de valor, tábuas de conversão, recálculos e adaptações, solapando o preceito da irredutibilidade de seus proventos.

Trata-se de um duro golpe nos integrantes do Judiciário, que, na fase final de sua carreira, têm de conciliar o complexo exercício de suas funções, fundamental para os indivíduos e a sociedade, com a angústia ante a iminente redução drástica de sua renda mensal.

A gravidade do problema tornou pertinente a PEC 46, que resgata a plenitude do preceito constitucional relativo à irredutibilidade do valor dos subsídios e proventos. A pertinência, inclusive matemática, da proposta torna incompreensível a sua morosidade no Legislativo e derruba o argumento basilar contra a medida, de que ela agravaria o déficit previdenciário.

Estudo encomendado pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) demonstra que o total das contribuições pagas no período de 35 anos por um servidor garante o equivalente a 2,5 aposentadorias integrais. O cálculo considera a sobrevida provável de 20 anos, tomando como base a longevidade média dos brasileiros, de 72 anos.

Sobre o salário dos magistrados incidem a contribuição patronal, de 22%, e a pessoal, de 11%, totalizando 33%. Após a aposentadoria, o recolhimento continua, o que é absurdo. O capital resultante do recolhimento na ativa, aplicado em caderneta de poupança, soma R$ 6,5 milhões.

Tal valor, com juros de 0,5%, propicia renda superior a R$ 32 mil por mês, sem contar a correção monetária. Uma ressalva: o salário de referência utilizado no estudo foi de R$ 10 mil, ou seja, bem menor do que o valor médio de toda a trajetória profissional de um juiz, desde o início da carreira até a função de desembargador nos Tribunais de Justiça.

Os números corroboram o princípio constitucional da irredutibilidade e evidenciam que a aposentadoria integral não se configura como privilégio, mas sim como direito legítimo. Portanto, é preciso disseminar a consciência de que a integralidade dos proventos dos magistrados não causa déficit algum, desde que os recursos sejam bem geridos pelos administradores da Previdência. Aliás, a gestão do dinheiro recolhido por todos os trabalhadores brasileiros é, sim, a grande questão a ser debatida!

(*) Antonio Cesar Siqueira é desembargador e presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj).

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