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Legalidade sem exceção

Por Rossidélio Lopes (*) | 12/05/2014 14:47

Quando a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, procurou adotar um documento objetivo. Deu-se ao mundo um texto cristalino, tanto no propósito de estabelecer um código de conduta para a Humanidade (no qual, acima de tudo, se impõem os princípios da igualdade entre os homens e da liberdade que cada um de nós traz para a vida), quanto na sua aplicação. Trata-se de um conjunto inquestionavelmente refratário a qualquer partidarização ou “ideologização”. O que permeia os seus 30 artigos é uma explícita defesa da integridade humana. É, portanto, um instrumento para o homem, ao qual se subordinam quaisquer outros símbolos da vida em sociedade — estados, poderes públicos, partidos, agremiações etc.

Tais afirmações são óbvias à luz não só do preâmbulo da Declaração, mas principalmente à leitura da primeira frase do artigo I (“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”). Esta é a chave para dirimir qualquer interpretação equivocada do código, mas, por oportunismo político, por interesses partidários e outros sentimentos contrários a seu sentido igualitário, o texto tem sido utilizado, ao longo de décadas, e em não poucas nações, como um êmulo do seu espírito. Malsinado, não é diferente no Brasil.

A discussão aqui no país é torta em relação a quem seriam os beneficiários da Declaração. Como, por princípio, todos os seres humanos estão a seu abrigo, restringir seus efeitos a segmentos da sociedade é uma contrafação. Abrangente, o universal documento da ONU deve preservar a integridade tanto de perseguidos políticos, quanto de cidadãos que tenham infringido as leis ou atentado contra instituições legalmente constituídas, ou de agentes do Estado no exercício de cargos e profissões para os quais tenham sido destacados.

Obviamente, a Declaração não existe para proteger desvios comportamentais, corporativos — mas serve como poderoso freio a ações (de Estado, partidárias ou lá o que sejam) que, a pretexto de punir em defesa da sociedade, nada mais são que arbitrariedades cometidas em favor de um grupo. Ou seja, se alguém feriu determinado código de conduta, deve ser julgado por seus atos, eventualmente expiar suas culpas, mas jamais ser execrado sem que a ele seja assegurado o amplo direito de defesa, outra garantia do documento das Nações Unidas.

Ter em mente esses pressupostos é importante especialmente neste momento em que agentes públicos, notadamente no Rio e em São Paulo, têm sido vítimas de violência ditada pela criminalidade. Agentes do Estado que se associam ao banditismo devem, sem dúvida, ser punidos por seus atos; mas jogar na mesma bacia, indistintamente, todos os que estão a exercer nas ruas, honestamente e ao preço do risco para sua vida, deixa a sociedade no contraditório espaço da discriminação, terreno — explicitamente condenado pela Declaração — no qual viceja o preconceito.

(*) Rossidélio Lopes é juiz e presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj)

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