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Legítima defesa de propriedades invadidas pelos índios

Por Juliano Quelho Witzler Ribeiro (*) | 24/06/2016 11:55

No Mato Grosso do Sul não é de hoje que produtores rurais, legítimos proprietários, têm suas fazendas invadidas por etnias indígenas, que reivindicam direitos de suposta ocupação tradicional, nutridas por um caldo apimentado pelos “donos dos índios” (expressão empregada pelo Advogado indígena, Dr. Wilson M. da Silva, no ensaio “Proteger índios – um bom negócio”, publicado no site www.campograndenews.com.br, de 09.09.2015).

Os debates jurídicos gravitam em torno da extensão temporal dos direitos indígenas “sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, expressão esta empregada na redação do artigo 231, caput, da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento no caso Raposa Serra do Sol, pacificou a celeuma. Para a Suprema Corte, só podem ser demarcadas, em favor da União para usufruto dos índios, áreas ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal (05.10.1988). No mesmo julgamento, o Supremo Tribunal Federal proibiu ampliação, sob o pretexto de ocupação tradicional, de aldeias já demarcadas.

Publicações recentes noticiam os preocupantes e infelizes desdobramentos que as invasões têm gerado no campo sul-mato-grossense. Recentemente noticiou-se que na região do município de Antônio João-MS grupos de produtores rurais teriam retomado as áreas invadidas à força, ocasionando, ao que tudo indica,a morte de um cidadão indígena em circunstâncias misteriosas.

Sem (des)colorir os acontecimentos reais, sob o aspecto puramente legal, os produtores rurais – muitas vezes órfãos até mesmo no cumprimento de decisões judiciais dereintegração de posse – possuem o direto de legítima defesa da propriedade invadida.

No campo do direito civil, o legislador estabeleceu que “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” (art. 1210, § 1.º, do Código Civil).

Para o Professor Orlando Gomes, o desforço pode chegar ao uso de armas se o seu emprego for indispensável à manutenção, ou à restituição da posse. E o Professor Silvio Rodrigues também ensina: “se para assegurar ou recuperar a posse, o possuidor tiver que usar armas, inclusive de fogo, ser-lhe-á lícito a elas recorrer”.

Já na perspectiva do direito penal a questão não poderia ser diferente. O artigo 23, inciso II, do Código Penal prescreve que não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa. “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, diz o artigo 25 do Código Penal.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já enfrentou a questão, oportunidade em que firmou entendimento no sentido de que “Age sob a excludente de ilicitude da legítima defesa, de molde a impor a rejeição de denúncia por homicídio, o ocupante de terras localizadas em reserva indígena que, para defender sua família e sua residência de invasão clandestina e não amistosa de índios, acaba por ferir mortalmente um dos integrantes da tribo, pois, em tal hipótese, evidenciada a inexigibilidade de conduta diversa” (TRF 4.ª R. – Rec. – Rel. Ellen Gracie Northfleet – j. 13.06.2000 – RT 782/706).

Em sentido semelhante, o extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo também entendeu: “Esbulho possessório – Invasão de imóvel pelos membros do ‘movimento dos sem-terra’ – Derrubada de cercas que delimitavam a propriedade invadida – Atitude tomada em busca de uma solução para o problema social – Autodefesa dos proprietários da terra com pronta e enérgica defesa – “Admite-se a autodefesa possessória, quando o maltrato à posse ‘se realiza em circunstâncias que exigem pronta, enérgica e imediata repulsa’ (Orlando Gomes)” (TACRIM-SP – Ap. – Rel. Ricardo Dip – RT 722/479).

A sociedade sul-mato-grossense crê no dia em que os envolvidos deixarão as paixões de lado para resolver os conflitos pacificamente, dentro da legalidade, respeitando as decisões do Supremo Tribunal Federal e as regras que regem o Estado Democrático de Direito, trazendo de volta ao campo a tranquilidade tão necessária à paz social e ao progresso da nação. Até lá, pelo menos sob o aspectopuramente legal, os produtores têm o direito de repelir por sua própria força “invasão clandestina e não amistosa de índios”. É o que dizem a lei, a doutrina e a jurisprudência.

(*) Por Juliano Quelho Witzler Ribeiro é advogado; pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em S. Paulo (SP).

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