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Mandela vive!

Por Semy Alves Ferraz (*) | 06/12/2013 16:52

O desaparecimento de Nelson Mandela, um dos maiores líderes da humanidade – e por certo o maior líder de nosso tempo –, ocorrido esta semana, nos remete a uma inevitável reflexão: como esse ser humano com sua tolerância, sabedoria, perseverança, foi vitorioso quando tinha tudo para desaparecer diante da tirania dos colonizadores brancos e dos inúmeros traidores de sua própria etnia? Ao lado de Mahatma Ghandi (morto na primeira metade do século XX), Mandela é a síntese da verdadeira dimensão de um povo relegado à miséria e à opressão pelos tiranos de plantão – a desventura os torna maiores, o jugo os faz generosos, a vida de privações os liberta das vaidades e mesquinharias da sociedade decadente que os explora.

Desde a mais tenra infância, Mandela sofreu duramente com as adversidades, tendo ficado órfão de pai e logo tendo sido levado a morar com outra família, longe da mãe, que vira poucas vezes – a última só pelo vidro da sala de visita do presídio onde cumpria pena de prisão perpétua, onde recebeu seu beijo derradeiro por meio do frio material de isolamento entre os condenados pelo “crime” de lutar por uma sociedade não racista e seus familiares. Aprendeu a ser um misto de resignado/inconformado, rebelde/sensato, ousado/estratégico, destemido/habilidoso.

Sem ter recuado um passo só em suas convicções, soube sabiamente superar os obstáculos do racismo e da opressão até o extremo de ter sido generoso com quem jamais lhe fez qualquer concessão. A grandeza de seus ideais de liberdade para seu povo, aprisionado e humilhado como ele, foi maior que as tacanhas demonstrações de poder de seus verdugos, que poderiam haver-lhe tirado o foco de sua causa maior. De “inimigo número 1”, aprisionado para o resto da vida, converteu-se em, mais que estadista, líder da humanidade no atribulado século XX.

Em 95 anos de vida, passou apenas 23 anos em liberdade, dos quais apenas cinco anos no poder – do qual fez questão de se distanciar didaticamente, pois sabia que não era eterno e precisava estimular as novas elites políticas de sua jovem nação para preparar a sociedade liberta pela qual tanto lutara. Por essa razão recolheu-se habilmente, sem traumas, à vida privada, generosamente. Essa grandeza, esse senso de responsabilidade, aliás, foi o que sempre o orientou, em todos os momentos de sua dura existência.

Curioso é que, a despeito de a humanidade ter testemunhado seres da dimensão humana de Mandela, ainda que em quantidade ínfima, o número de tiranos – como Adolf Hitler, Benito Mussolini, Francisco Franco, António Salazar, Augusto Pinochet e Alfredo Strossner, além dos seus “discípulos”, replicados até em nosso estado (vejam o que estão fazendo com os índios aqui em Mato Grosso do Sul) – se reproduz com extrema facilidade, como erva daninha em terrenos baldios. Porque a sociedade, que promove a ganância e a usura, na sua ânsia de cultuar o sucesso a qualquer custo, estimula esse tipo de seres medíocres, rastejantes e, sobretudo, bizarros.

Sem a participação de um ser humano com a dimensão moral de Mandela, como será a sua África do Sul, como será a luta por uma sociedade menos desigual, como ficará a luta por um mundo mais justo? Indiscutivelmente, ficamos todos – sim, todos, sem exceção – mais pobres, menos resistentes e com a sensação de que perdemos alguém muito próximo de nós, uma referência ética e política quase sacralizada. Como todo homem predestinado, Mandela se eterniza legando os melhores sentimentos em relação ao porvir da humanidade. Como um pai que se despede de seus filhos com a certeza de que agora poderão seguir sós, mas em sua eterna presença.

(*) Semy Ferraz é engenheiro civil e secretário de Infraestrutura, Transporte e Habitação de Campo Grande.

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