ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, SEXTA  19    CAMPO GRANDE 21º

Artigos

Maria da Penha aplicada em casos de deficiência mental

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral* | 11/12/2011 08:05

A edição da Lei Maria da Penha no ano de 2006, criando varas judiciais privativas com competência cível e criminal e Núcleos especializados do Ministério Público e da Defensoria Pública, afetos à problemática e acalorada questão da violência no seio familiar, trouxe à tona o significativo tema da pessoa portadora de deficiência mental.

Os elevados custos de um tratamento psiquiátrico e da medicação controlada, os obstáculos encontrados para se conseguir uma internação pela rede pública de saúde, e, principalmente, as dificuldades e o desconhecimento encontrados pelos familiares do parente mentalmente adoecido para lhe dar com essa situação singular, acompanhada da sempre (desculpa da) correria do dia-a-dia, revelam o quanto impotente se encontra a família brasileira que vivencia esse específico drama doméstico.

O número de mulheres com algum tipo de transtorno psiquiátrico confesso ou documentado, ou mesmo facilmente perceptível pelo comportamento extraordinário e incomum, que aportam diariamente no Núcleo especializado da Lei Maria da Penha da Defensoria Pública, na qualidade de ofendidas ou agressoras, revela o quanto tem sido difícil ou mesmo impossível a convivência familiar e o resgate de sua harmonia nesses casos sem o auxílio do Poder Público e de profissionais especializados recrutados para esse mister.

Num primeiro lance, uma constatação é inequívoca. Para esses casos de longevos e graves transtornos psiquiátricos o deferimento de uma medida protetiva de urgência ou a prolação de uma sentença penal condenatória é medida profilática de nenhum efeito, com conseqüências muitas vezes desastrosas. Revela-se até mesmo cruel, atentando-se contra a própria dignidade da pessoa humana, bradar que as respostas para as aflições e angústias vivenciadas pelos familiares do enfermo mental, e pelo próprio doente, estacionam no residual ramo do Direito Penal.

O Estado e a família devem repensar o modo de acolhimento, tratamento e auxílio multidisciplinar à pessoa portadora de transtorno mental. A própria Lei Maria da Penha, em seus diversos dispositivos, sinaliza que é diploma vocacionado para a paz e reconstrução familiar. Essa Lei acaba com a tradicional fórmula ortodoxa e ultrapassada de julgamentos e cria o que vem se denominando no cenário jurídico internacional de círculos decisórios, com a obrigatória convocação de psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e outros experts para o debate da controvérsia familiar e seu melhor desenlace, sob suas múltiplas facetas, algumas imperceptíveis para o mero operador do Direito.

Boletins de ocorrência, medidas protetivas, denúncias e sentenças devem logo descer do palco quando em cena a questão da doença e da perturbação da saúde mental do indivíduo, verdadeira protagonista sem coadjuvantes dos pesadelos e lamentações sentidos pelo núcleo familiar. Não importando, essa concepção, no encerramento do processo, mas na forma como conduzi-lo, mudando a ideia de um mérito adstrito a um insípido pedido inicial. Na Lei Maria da Penha o único mérito é a busca da concórdia familiar.

Agravando em muito essa peculiar situação do portador de algum tipo de deficiência mental, registre-se que, em muitos casos, esses incapazes encontram-se reduzidos a uma condição de órfãos ou desterrados, não rara vezes completamente abandonados pela família. E o exercício pleno de todos os atos da vida civil para esses incapazes, assim como a solitária retomada de uma vida independente em sociedade, é tarefa extremamente penosa.

Esses doentes precisam do amor, auxílio, compreensão, presença e visitação da família, não o desprezo. Assim como para todo e qualquer ser vivo sobre a face da Terra, os doentes mentais também são movidos por carinho, afeto e atenção.

Claro que se sabe, sim, o peso da cruz e os momentos de desespero para essas famílias que possuem um parente com algum tipo de transtorno psiquiátrico, as muitas tentativas de internação que foram envidadas, os diversos acompanhamentos a tratamento ambulatorial, consultas, remédios, todo o dinheiro gasto etc. Mas não se pode desistir. Não desistam. A luta e a tentativa, em verdade, é o fim em si mesmo. Afinal, nossa existência demanda cruzes e chagas, desde nosso nascimento. No específico caso dos doentes mentais, o sofrimento é salvífico, é nobre, cria em nós mesmos a ininterrupta e maravilhosa sensação de servir, de ser útil.

É preciso retirar os doentes mentais da solidão, dar-lhes algumas boas recordações de certos momentos de felicidade e prazer. As políticas públicas de atenção ao amental e as exigências da sociedade não devem recair apenas e tão-somente sob a egoísta perspectiva de uma perpétua internação em hospital de custódia ou de uma escura cela de uma penitenciária para aqueles que não conseguiram demonstrar a latente inimputabilidade. Em plena segunda década deste terceiro milênio, com todo o avanço biotecnológico dos dias atuais, essa é a única resposta que o direito e as demais ciências humanas podem dar? Ora, há dois mil anos o Nazareno estendia sua mão à única ovelha caída num poço no dia de sábado. É permitido curar no dia de sábado.

Os doentes portadores de deficiência mental e a família pedem socorro. Estenda sua mão. Você pode ajudar a transformar a vida destas pessoas para melhor, diminuir-lhes o sofrimento, dar uma nova esperança. Não deixe que velhos códigos e manuais sirvam de cordilheira inexpugnável para separá-lo da capacidade de fazer o bem ao próximo.

(*) Carlos Eduardo Rios do Amaral é defensor público do estado do Espírito Santo

Nos siga no Google Notícias