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Morre no trânsito o equivalente a 2 aviões da Lamia lotados por dia

Por Márcia Pontes (*) | 07/12/2016 16:01

Por dia, no Brasil, morrem em acidentes de trânsito o equivalente a ocupantes de dois aviões da Lamia, que transportava o time inteiro da Chapecoense, dirigentes e convidados (77 pessoas). O mesmo que um avião lotado da Azul que faz a ponte Navegantes/São Paulo.

Em 2014, foram mais de 43 mil vidas perdidas. E já foi pior: pelas contas de 2012, quando 61 mil pessoas perderam a vida no trânsito brasileiro, esse número chegaria a 3,6 aviões da empresa boliviana ou a um avião da Malasya Airlines, com 298 passageiros. Por ar ou por terra, não importa: toda vida tem o mesmo valor, a dor e o sofrimento são enormes e parecem sem fim. Na vida e na morte somos todos iguais. Então, porque parece que as pessoas se comovem mais com os acidentes aéreos do que com os acidentes de trânsito?

Os aviões são considerados o meio de transporte mais seguro do mundo. Não é todo dia que cai um avião. Pelo contrário, os veículos terrestres, apesar de toda a tecnologia embarcada e os sistemas de segurança, não são tão seguros. Todo dia provocam-se acidentes de trânsito e vidas são ceifadas. É uma morte a cada 12 minutos no Brasil e um sequelado permanente por minuto. Talvez, a questão esteja no modo como se percebe a dimensão das tragédias.

A morte coletiva em acidentes aéreos ou terrestres parece chocar mais, causar mais comoção e a despertar mais a sensibilidade das pessoas para a dor do outro, das famílias e para a própria dor.

Se do acidente de trânsito resulta uma única vítima o fato parece ser normal, por mais grave que seja. Alguns entendem como sendo mais uma ocorrência, mais uma morte na rotina diária das vias. Já quando uma família inteira é dizimada, as pessoas parecem se comover mais. Esse número de pessoas sensibilizadas aumenta quando se trata de vítimas de acidentes envolvendo ônibus, trem, metrô ou embarcações.

Enquanto no desastre aéreo o fato mais chocante é a morte coletiva em que todo o grupo perde a vida ao mesmo tempo, nos acidentes de trânsito as perdas são individuais e pulverizadas. Ainda que no final de cada dia e a cada ano se contabilize muito mais mortes no trânsito do que as causadas por acidentes aéreos. Estamos falando aqui do equivalente aos ocupantes de um Boeing 737 da Gol ou dois aviões da Lamia por dia!

Seja em acidentes aéreos ou de trânsito, a dor e o sofrimento nos tornam iguais. A fragilidade do corpo humano continua a mesma diante do impacto, dos ferimentos e das sequelas, sejam elas físicas ou emocionais.

Dói, nos destroça e causa tamanha dor saber que daqui a 8 meses um bebê virá ao mundo fadado a jamais conhecer o pai. Será assim com o filho do jogador que perdeu a vida no desastre de avião em uma repetição de dezenas de mortes em acidentes de trânsito por dia no país que deixam muitos outros órfãos.

Assim como em desastres de avião, as mortes no trânsito também despedaçam o coração de quem assiste pessoas tão jovens, no auge da carreira, tão cheios de vida, de planos e de sonhos irem embora cedo demais.

Nos sensibiliza e nos toca tanto a morte dos jogadores, dirigentes, jornalistas e convidados que é como se nos sentíssemos parte da família deles. É como se tornar-se torcedor da Chapecoense fosse uma forma de fazer alguma coisa, de demonstrar a nossa solidariedade, o nosso carinho, a nossa empatia. Soa acolhedor como um abraço nessa hora tão difícil para todos! Mas, porque não conseguimos abraçar as vítimas e as famílias igualmente órfãs em acidentes de trânsito?

O nosso estado barriga-verde, do alto de sua dor e comoção, vestiu o manto verde da Chapecoense, assim como o nosso país e o mundo. Por mais que tentemos, continuaremos sem saber o que fazer para expressar o quanto estamos sofrendo. Mas, não podemos esquecer daqueles que sofrem as perdas diárias também por terra.

Escrevi esse post na tentativa de expressar a dor, a comoção e de levar a minha solidariedade às famílias, aos torcedores, para reverenciar a memória dos jogadores da Chapecoense e dos demais passageiros do voo da Lamia. Mas, também, para lembrar que a nossa humanidade, a nossa empatia, a nossa solidariedade e a nossa capacidade de comover-se e identificar-se com a dor do outro precisa ser um exercício diário no país que enterra mais de 43 mil corpos recolhidos das vias por ano.

Choramos hoje a dor sem fim da morte de 71 vidas que estavam no voo da Lamia. Não podemos esquecer que no Brasil morre em acidentes de trânsito o equivalente a dois aviões como este lotados. Por dia!

Se na dor, no sofrimento, na morte e na tentativa de continuar seguindo em frente faltando um pedaço somos todos iguais, porque as vidas perdidas em vias terrestres não comovem tanto?

(*) Márcia Pontes é educadora de trânsito, escritora e Coordenadora do Movimento Internacional Maio Amarelo em Santa Catarina; graduada em Segurança no Trânsito pela Unisul e tem Especialização em Planejamento e Gestão de Trânsito pela Unicesumar

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