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Não amamentar é trivial? Dar ou não leite artificial é também questão política

Marina Rea | 21/12/2013 10:38

Um estudo de 2001 revelou que nos EUA 3,6 bilhões dólares poderiam ser economizados se as taxas de amamentação fossem aumentadas para níveis recomendados (AME por 6 meses e sua continuidade com alimentos complementares até pelo menos 2 anos). Repetindo-se este estudo mais recentemente, e levando em conta que o leite materno previne: enterocolite necrosante, otite média, gastroenterite, hospitalização por infecções respiratórias , dermatite atópica, entre outras doenças, concluiu-se que se 90% das famílias dos EUA cumprissem as recomendações médicas para amamentar exclusivamente por seis meses, os Estados Unidos poderiam economizar US $ 13 bilhões ao ano e evitar um excesso de 911 mortes, quase todas de lactentes (10,5 bilhões dólares e 741 mortes se cumprissem 80 %) (Pediatrics, 2012).

O Brasil não conta com dados de pesquisas semelhantes.

Podemos grosseiramente estimar que, se uma mulher receber na Maternidade uma prescrição de fórmula infantil (Nan, por exemplo) de um pediatra de sua confiança – o qual teve sua inscrição e congresso na Florida pago pela Nestlé – ela não vai amamentar. Do nascimento aos 6 meses de vida uma criança deve receber só leite materno; se este faltar (a mãe não ofereceu ao nascer... assim, em poucos dias sua produção de leite humano se interrompe) a criança deve receber 6 meses de fórmula infantil. Qual o custo?

Uma lata de Nan, 800g, custa de 45 a 73 Reais, média de 60. Estima-se que na maior parte dos países, alimentar uma criança com fórmula nos 6 primeiros meses de vida significa um gasto de 1/3 a ½ do salário mínimo mensal. Isto para famílias pobres é bastante, especialmente considerando que este leite oriundo (em geral) da vaca não traz ao recém-nascido a proteção imunológica devida contra doenças comuns, o que o leva a morbidades frequentes e às vezes internações. Não amamentar não é trivial.

A mãe bem orientada por profissional habilitado e protegida contra propagandas indevidas de substitutos do leite materno, bicos, chupetas e mamadeiras (NBCAL) – como tem ocorrido em nosso país desde 1988 – tem amamentado mais. Dados das últimas pesquisas nacionais mostram que nesse período conseguimos aumentar em 10 vezes a proporção de AMExclusivo, e chegamos a mais de 12 meses de duração mediana de amamentação. Mas estamos ainda longe do ideal.

As empresas, submetidas pela ANVISA a um controle e obediência de seus rótulos e propagandas (NBCAL), mostram alguma melhora em seus procedimentos: a presença de “Advertências” nos rótulos e propagandas tem sido encontrada, mas... estamos aqui também ainda longe do ideal.

Quem monitora a NBCAL?
O monitoramento realizado pela IBFAN em 2013 encontrou 65 irregularidades correspondentes a 49 empresas, as quais foram notificadas. O descumprimento refere-se à promoção comercial indevida de produtos em pontos de venda: supermercados, farmácias, lojas de artigos infantis, sites na internet; rotulagem inadequada de produtos abrangidos pela Lei 11265/06; inadequação de materiais educativos e técnicos científicos. Das 49 empresas notificadas, 17(26,1%) responderam às notificações; das que responderam, 8 (47,1%) não concordaram com os termos das notificações; as demais 9 (52,9%) concordaram e se comprometeram a corrigir as irregularidades.

A rede IBFAN surge em 1983 no Brasil, completando este ano então 30 anos! O que já fizemos neste período? Realizamos alguns monitoramentos nos anos 80 usando o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno (1) criado em 1981 pela OMS/UNICEF com apoio de nosso país, quando constatamos que as práticas de marketing observadas aqui eram as mesmas, ou muito similares as de outros países. As multinacionais eram as mesmas, embora um pouco menos agressivas devido a pouca competitividade e ao domínio amplo da Nestlé.

Em 1988 coordenamos o GT que elaborou a NBCAL e conseguimos - com muito empenho, lutando seriamente contra os lobbies das indústrias e a pouca solidariedade das associações pediátricas – aprovar a NBCAL.

A partir de 1988 só fizemos crescer em número de membros, gente séria e comprometida, e passamos a realizar projetos de monitoramentos e denúncias de violações da NBCAL aos órgãos competentes, especialmente a ANVISA. A rede IBFAN tem feito monitoramentos a cada ano, ou a cada 2 anos. O governo fez um monitoramento em 2000, com nossa participação, o qual levou a necessidade de revisão da NBCAL. Um segundo monitoramento foi feito em 2006, onde participamos da capacitação do pessoal das VISAs e outros parceiros, comandados pela ANVISA; nesta ocasião, mais de 1000 violações foram identificadas em todo o país, e sabe-se que até hoje os processos contra as empresas violadoras não foram concluídos.

Onde estamos?
Por duas vezes a NBCAL foi revista e melhorada – em 1992 e em 2001 – e passou a ser utilizada subdividida em 3 documentos: RDC 221, RDC 222 e Portaria ministerial 2051. A IBFAN esteve presente em todas as revisões, e em todos os momentos que o Ministério da Saúde e a ANVISA chamaram para assessorar ou liderar processos de mudança, capacitações e monitoramentos sobre a NBCAL.

Os 3 documentos acima foram propostos como Lei, e aprovados pelo Presidente Lula em 2006, como Lei 11265/2006, sob nosso lobby, vigilância e pressão para garantir a integridade do que se propunha. O Grupo de regulamentação dessa Lei contou com a participação da IBFAN. O texto elaborado encontra-se a espera da assinatura da presidente, espera de quase 8 anos. Enquanto não se regulamenta, segundo a consultoria jurídica da ANVISA, valem os documentos acima.

Sem regulamentação da Lei 11265/2006 é bastante provável que as empresas produtoras e distribuidoras continuem a buscar mais formas de violar a legislação, na medida em que é muito difícil haver punições quando mais de um texto de regulamentação está em vigor e os setores jurídicos das empresas estão prontos a reclamar para adiar processos.

Quanto o Brasil economizaria se 80-90% das mães amamentassem exclusivamente nos primeiros seis meses? Quantos bebês teriam menos otites, broncopneumonias? Não sabemos. Mas as empresas sabem quanto estão ganhando com a substituição do leite materno por leites artificiais.

Conclamamos a sociedade civil organizada a juntar-se a nós, da IBFAN, no questionamento ao Ministério da Saúde e à Casa Civil para assinatura imediata da regulamentação da Lei 11265/2006, nossa NBCAL.

*Marina Rea é médica pesquisadora membro da rede IBFAN Brasil

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