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Não há vacina contra a insensatez

Por Marcos Trad (*) | 09/06/2016 08:42

Ainda não inventaram vacina capaz de evitar a incúria, ou antídoto eficaz contra a insensatez. Quando os vírus de uma e de outra encontram tecido social dilacerado e propício, fundem-se na proliferação do mal que anula a sensibilidade humana e mata a ética, pela exacerbação da arrogância.

Foi nesse organismo político em decomposição que se fermentou essa pérfida doença que “consumiu” milhares – se trinta mil, três mil ou uma única, não vem ao caso – de vacinas contra o vírus da gripe H1N1, que deixaram de ser aplicadas em crianças, idosos, doentes crônicos e demais pessoas do chamado grupo de risco, em Campo Grande.

O simples(?) sumiço de qualquer quantidade de vacinas já seria, por si só, um desastre moral e um escândalo político. Seja pela dimensão humana decorrente do fato de que vacina salva vidas, seja pela ética que impõe à gestão pública o controle absoluto de um bem social tão relevante e indispensável.

Na Campo Grande de hoje, porém, o sumiço de vacinas ganha contornos cada vez mais nítidos de uma farsa insensata e desumana, diante de denúncias consistentes de que o prefeito Alcides Bernal e um punhado de membros de seu séquito teriam se protegido, indevida e criminosamente, com a vacina que faltou para os que dela necessitavam, por protocolos médicos que visam preservar os mais vulneráveis ao vírus da H1N1.

A forma pusilânime como o prefeito Alcides Bernal se porta até agora, alimenta mais certeza do que dúvidas sobre a gravíssima denúncia de que ele e seus áulicos se autoconcederam o descabido e desumano ‘direito’ de se infiltrarem na população de risco, recebendo em seus gabinetes a vacina que faltou nas unidades de saúde.

À flagrante tibieza com que Bernal ‘reage’ à denúncia – quando deveria negá-la de forma contundente e comprovada – soma-se o notório descaso com que promete esclarecer o desaparecimento de outras 3,2 mil doses da mesma vacina... Talvez um pouco menos, se descontadas as 35 doses que, segundo a denúncia, teriam entrado no ‘delivery’ que atendeu os privilegiados de sua olímpica entourage.

Como o soturno prefeito de plantão já tentou ‘justificar’ a infinidade de buracos, que infelicitam Campo Grande, sacando a patética acusação de que adversários seus trocavam o sono noturno pela inglória tarefa de escavar o asfalto, seu secretário de saúde deu-se ao desplante de acusar o Instituto Butantan, das mais honradas e prestigiosas instituições científicas do Brasil, de, imagine-se, envasar oito em lugar das dez doses que os frascos devem conter.

Se são capazes de insultar o vetusto Instituto Butantan com a acusação de burlar – que outra coisa seria? – o Ministério da Saúde, tentando assim ‘justificar’ o desaparecimento de milhares de doses da vacina providencial, por que não seriam permissivos e arrogantes o suficiente para se imunizarem ‘prioritariamente’? Afinal, é plausível supor que se imaginem como ‘guias’ do povo e, como tal, mais importantes que crianças, idosos, diabéticos, renais crônicos etc.

Só na magnífica ficção de ‘Ensaio Sobre a Cegueira’, de Saramago, se encontra algum paralelo.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara de Vereadores, tentará desvendar o mistério do sumiço das vacinas e, também, conferir se as ‘excelências’ capitaneadas pelo prefeito Alcides Bernal se incluíram, de forma desumana e cínica, no ‘grupo de risco’.
Uma verdade, porém, dispensa o escrutínio de qualquer CPI: a arrogância dos que exercem o poder sem qualquer autocrítica, desconhece, com frequência, os limites da sensatez.

E não há vacina contra esse mal.

(*) Marcos Trad é deputado estadual (PSD).

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