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Nos tempos da Rua D. Aquino III

Heitor Freire* | 11/11/2011 12:30

A Rosaria, minha mulher, pelo lado paterno, é da família Escobar, de Bela Vista, originária do Rio Grande do Sul. Quando os Escobar saíram do Rio Grande, entraram primeiro no Paraguai. E ali ficaram algum tempo. Lá o avô dela, Osório Escobar, conheceu aquela que seria sua mulher, Isabel, com quem se casou quando ela tinha 15 anos. Já casados a família seguiu viagem para o Brasil, adentrando por Bela Vista. E lá viveram por toda a vida.

O vô Osório, um perfeito autodidata, se constituiu num rábula muito competente, tornando-se profundo conhecedor dos meandros jurídicos sendo muito solicitado. Naquela época, meados do século XX, não havia advogado em Bela Vista e assim ele preencheu com muita competência o vácuo existente. Constantemente dirigia-se a Cuiabá por longos períodos, para acompanhar os processos que atendia em grau de recurso.

Do seu matrimônio nasceram 6 filhos, a quem ele deu nomes um tanto diferentes: Olímpio Guarany, Primitivo Aymoré (Xavi, meu sogro), Babel, Amparo, Hortêncio(Ticu) e Emílio (Chailho). Numa certa tarde, o casal se encontrava na varanda da casa da mãe do Vô Osório, eles já adentrados em anos, e o Vô disse: “A Isabel está ficando velha”. Ao que ela respondeu na lata: “En sus manos, señor”. Neutralizando a fina ironia na hora.

Na década de 70, morávamos num apartamento do edifício Arnaldo Serra, localizado na rua D. Aquino, em frente às Lojas Americanas, no centro da nossa cidade. Como o nosso apartamento se localizava na área central da cidade, recebíamos com freqüência nossos parentes que moravam no interior. Estes eram nossos hóspedes, que vinham para tratar de assuntos comerciais ou de saúde. Apesar de o nosso apartamento dispor de dois quartos e apenas um banheiro, e nós já termos 5 filhas a Rosaria sempre dava jeito de acomodá-los, com carinho e conforto.

Em uma dessas vezes, o tio Chailho com sua mulher - tia Diná, que moravam em Jardim, aqui aportaram para tratamento de saúde. Ao assistir à televisão à noite, ele ficou impressionado com a abertura do programa Planeta dos Homens, em que uma dançarina saia de uma banana. Ao notar o seu espanto, perguntei-lhe o motivo e ele me disse que, em Jardim, a TV tinha uma imagem toda chuviscada e ele não entendia o que acontecia na abertura desse programa. Só aí é que entendeu e gostou.

O tio Ticu, coletor em Bela Vista, frequentemente vinha a Campo Grande por necessidade de seu trabalho. Uma dessas vezes, ao chegar e abrir a sua mala tirou uma garrafa de uísque e me disse: “Esta é para você”. Agradeci, mas quando chegou à noite, ele disse: “Vamos tomar um gole?”. O que eu assenti, naturalmente. E assim foi por todos os dias que ele aqui ficou. Quando chegou o dia de sua partida, com a garrafa vazia, ele disse: “Você ficou pensando que, na realidade, eu trouxe o uísque para mim, não foi?”. E eu, embora constrangido, tive que admitir que sim. Aí então ele tirou outra garrafa de sua mala e falou: “Esta agora é para você sozinho”. Era um convivência muito agradável.

Eu tenho uma característica: sempre fiz amigos entre as pessoas que comigo trabalharam. Entre estes, o Aloysio Franco de Oliveira. Na década de 70, trabalhamos alguns anos juntos. E como amigo, às vezes almoçava no nosso apartamento, pois ele morava na Nova Campo Grande. Uma dessas vezes, na hora do almoço, uma vizinha tocou a campainha, e a Rosaria foi atender. A vizinha, entrando, ao nos avistar, um pouco constrangida disse que estava sem feijão e que o seu marido não comia sem feijão. Queria saber se a Rosaria teria um pouco de feijão pronto para dar-lhe.

A Rosaria assentiu e deu-lhe um prato de feijão da hora. Ao receber o prato, a vizinha falou: “Feijão preto? Não tem feijão mulatinho? Meu marido só come feijão mulatinho”. Ante a negativa da Rosaria, conformou-se em receber esse mesmo. O Aloysio comentou que se fosse com ele, não daria mais.

Cenas inesquecíveis cuja lembranças fazem muito bem ao espírito.

(*) Heitor Freire é corretor de imóveis e advogado

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