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Novo Plano Municipal de Educaçaõ da Capital viola decisão da corte internacional

Por Helena Henkin e Tiago Resende Botelho (*) | 29/06/2015 09:57

No dia 23 de junho de 2015,em Campo Grande - Capital do Estado de Mato Grosso do Sul, vinte e sete vereadores expuseram, inquestionavelmente, o município auma violação de Direitos Humanos.A Semed (Secretaria Municipal de Educação) encaminhou para aprovação do legislativo, o Plano Municipal de Educação (PME) para o decênio 2015-2024. Tal instrumento é ummecanismo pedagógico que viabiliza o diálogo entre sociedade civile município na construção e orientação das políticas educacionais.

Em resumo, oobjetivo do PMEestá firmado na melhoria da qualidade de ensino e na promoção humanística, científica e tecnológica do País.Com base em tais exigências,as questões de gênero se fizeram presentes.

Diferente do que pensam os vereadores, gênero não é uma ideologia, não é ensinar ou obrigar as crianças a serem homens ou mulheres, heterossexuaislésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersex. Mas um estudo baseado em pesquisas sérias no campo científico, desenvolvidas há anos, teorizando a desvalorização social dos seres humanos de acordo comseu sexo, orientação sexual e identidade. Em outras palavras, são as relações entre os sexos, construídas cultural e socialmente pelos seres humanos.No caso dos últimos séculos, pautadas na subordinação do sexo feminino pelo masculino.

A mulher espancada, a travesti assassinada, a indígena desempregada, a mulher negra que recebe menor salário que a branca, o gay e a lésbica que são maltratados fora ou dentro do ambiente escolar, a transexual fora da escola e muitas outras são questões e realidades estudadas nas relações de gênero e, dada a importância de tais, devem ser discutidas na Escola, pois, ainda que tenham esquecido os vereadores de Campo Grande, eles legislam num Estado Democrático de Direitos.

Sabe-se que estas relações, historicamente, têm sido construídas de maneira desigual. Exemplos claros disto são a violência doméstica e as diferenças salariais entre homens e mulheres, além da exclusão de travestis e transexuais por sua orientação e nãoadequação a dicotomia preestabelecida por ideologias socialmente excludentes e carentes de revisão e desconstrução. Essas e muitas outras são questões e realidades estudadas nas relações de gênero e que devem ser discutidas na Escola.

Preocupar-se em garantir os estudos das relações de gênero nas escolas não significa nada além do que construir uma sociedade mais equânime e com menos sofrimento para todos e todas.

A retirada das questões de gênero do Plano Municipal de Educação pelos vereadores revela totaldesconhecimento em relação aoconceito real e científico de gênero. Desconhecem que a decisão por eles tomada expõe o município aviolação internacional de Direitos Humanos, já analisada e decidida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e popularmente conhecida no Brasil,comoé o caso da Maria da Penha, que deu origem à lei homônima.

Mediante a omissão, por quinze anos, do poder judiciário brasileiro em condenar o ex-marido de Maria da Penha, Marco Antônio Heredia Viveiros, que a deixou paraplégica após um caso de violência doméstica, o Brasil foi denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanosque declarou o país omisso e tolerante à violência contra a mulher e, entre outras coisas, recomendou a inclusão de unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitosnos planos pedagógicos nacionais.

A decisão internacional recomendou fazer exatamente aquilo queos vereadores se negaram: incluir em seus planos pedagógicos estudos destinados à compreensão da importância do respeito às relações de gênero.

O caso internacional focou a questão particular de Maria da Penha, no entanto, por questão de lógica e de justiça social, pode-se alargar a sugestão para todos os que estão sendo desrespeitados pelo seu sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Os vereadores violaram inúmeros tratados internacionais de Direitos Humanos e desrespeitaram a Constituição Federal e Estadual ao negarem o objetivo fundamental da República:promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º).

Se houvesse o estudo das relações de gênero nas escolas, quando nossos vereadores se formaram, certamente estes poderiam, hoje em dia, discutir e votar sobre a questão com propriedade e respeito ao Estado Democrático de Direito. Mas lamentavelmente usam o cargo segundo suas convicções e ideologias subjetivas.

Não há melhor maneira de proteger a família do que ensinando às crianças e jovens que devemos respeitar a todos e todas. Não há princípio mais cristão que o amor ao próximo, que só se torna plausívelnuma sociedade sem violência e com mais aceitação das diferenças e pluralidades.

(*) Helena Henkin autora é bacharel em Direito e mestranda em Direito Público pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP.

(*) Tiago Resende Botelho é professor do Curso de Direito e servidor público, doutorando em Direito Público pela Universidade de Coimbra; Mestre em Direito pela UFMT e especialista em Direitos Humanos pela UFGD.

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