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O cisco e trave

Por Percival Puggina (*) | 12/03/2012 15:20

Numa de suas parábolas, Jesus propõe a indagação acima para induzir os circunstantes a refletir sobre a própria conduta. A imagem contundente que usou pode ser aplicada, o tempo todo, às mais variadas situações porque, de fato, nossa atenção aos erros alheios é inversamente proporcional à que dedicamos aos erros que cometemos.

Mas não é sobre moral ou religião que escrevo. É sobre o que está acontecendo com a economia brasileira neste momento em que começam a pipocar, aqui e ali, pequenos registros sobre o processo de desindustrialização em curso no Brasil. Quando comecei a falar nisso, ainda em 2010, em programas de rádio e tevê, as pessoas me olhavam como se uma ave de mau agouro tivesse pousado no microfone. Só faltava me dizerem - Xô! Era um tempo de euforias eleitorais, quando fazia parte do jogo afirmar que estava tudo muito bem, ainda que não fosse assim. Era um tempo em que o devidamente aparelhado IPEA cuidava de servir à mídia um indicador positivo por dia. Hoje, é a própria indústria brasileira de bens de consumo que proclama: está difícil exportar porque nossos preços não são competitivos e resulta impossível vender no mercado interno pois grande número de produtos importados chega às prateleiras com preços inferiores aos custos locais de produção.

Cansei de advertir: a) que estávamos retornando ao perfil de país produtor de bens primários que tivemos na primeira metade do século passado; b) que voltávamos a ser meros exportadores de matérias-primas; c) que o Brasil não era valorizado lá fora como fornecedor, mas como mercado; d) que uma economia baseada na venda de commodities não paga bons salários para a massa trabalhadora e não gera desenvolvimento social sustentável; e) que, diferentemente dos Estados Unidos, nós não podíamos nos dar ao luxo da desindustrialização porque ainda obtínhamos notas de reprovação em desenvolvimento tecnológico. Pois mesmo diante desse quadro continuamos apontando cisco no olho dos outros. O culpado é o câmbio! Com esse dólar não tem jeito! O dólar e o euro estão sub-apreciados porque convém às exportações dos respectivos países! A culpa é dos ricos! A culpa é dos ianques! A culpa é dos outros! Eles não cuidam de seus desequilíbrios fiscais! Eles - oh, eles! - seguem a Lei de Gerson e querem vantagem em tudo...

E a trave no nosso olho? Como pode a sexta economia mundial responder por pouco mais de um por cento do comércio internacional? Pois é. Como pode? Anote aí, leitor: mesmo com esse dólar, tivéssemos feito o que nos corresponde, conseguiríamos ser competitivos além das commodities (que compõem um mercado faminto, eminentemente comprador). No entanto, as traves no nosso olho são irritantes e causam cegueira. Com educação de baixíssimo nível; recursos humanos operosos mas pouco produtivos; transportes usando o modal mais caro e em más condições, sem ferrovias nem hidrovias; energia caríssima apesar de dispormos de fontes hidroelétricas em abundância; carga tributária chegando a 37% do PIB e um sistema oneroso de pagamento e controle; a maior taxa de juros do mundo; e por aí vai - como ser competitivo? Tudo que descrevi neste parágrafo é responsabilidade nossa e muito pouco foi diligenciado. É a trave no nosso olho. Tivéssemos feito o dever de casa, conseguiríamos ser competitivos e faríamos rodar nossa indústria mesmo com o dólar no patamar atual. Mas preferimos apontar o cisco no olho da Europa e dos Estados Unidos.

(*)Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

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