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O conflito no Pantanal sul-mato-grossense

José Tibiriçá Martins Ferreira (*) | 14/05/2012 06:34

O convívio entre os índios e brancos sempre foi salutar, isso a imprensa sempre noticiou, mas o problema que está acontecendo vem de longe, antes até da Guerra do Paraguai, quando começaram as disputas de terras entre os portugueses e espanhóis que foram os povos que colonizaram a América do Sul. Assim para entender o conflito temos que estar a par de muitos fatos que aconteceram, até chegarmos ao que estamos assistindo, noticiado pela mídia tanto escrita, televisada, recentemente.

O campo de batalha, também está aqui próximo na rodovia Pedro Palhano com destino à cidade de Itaporã, que corta as duas aldeias, à direita e à esquerda, onde existe uma concentração de índios caiuás, guarani e terena. Caso não se tome providências urgentes, logo estarão impedindo o tráfego do anel viário e como estamos num ano eleitoral, políticos que se dizem de esquerda estão participando ativamente. Exemplo disso foi a presença de um vereador douradense no local e o que chamou a atenção foi a ausência do deputado petista de Dourados na palestra proferida pelo ministro da agricultura na sexta-feira à noite, onde estiveram muitos produtores rurais de Dourados e região.

Com relação ao problema lá na região do pantanal é consequencia de fatos que aconteceram na década de 50, cujo problema foi denunciado no jornal do Comércio pelo antropólogo Darci Ribeiro que foi vice-governador do Estado do Rio de Janeiro de 1983 a 1986 e senador. Ele esteve em Dourados em 1985 após o assassinato do líder indígena Marçal de Souza, participando do manifesto em frente à Igreja Imaculada Conceição, na Praça Antonio João, sendo este o primeiro foco do litígio em nossa região. Como estamos num ano eleitoral políticos que se intitulam da esquerda, defensores da causa indígena, já começam a se movimentar, o que não é novidade.

Quanto à região pantaneira vamos voltar um pouco ao passado: é sabido que ao longo da primeira metade do século XX, as terras da Reserva Indígena foram cobiçadas por muitos e, na segunda metade desse século, a situação não foi diferente. Os anos 1950 foram marcados pela entrada dos primeiros arrendatários na área, sendo fracassada a tentativa de usurpação das terras dos Kadiwéus, empreendida por deputados estaduais de Mato Grosso, no final da década. (RIBEIRO, 1962). Entre 1957 e 1958, a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso propôs a redução da área para 100.000 ha (cem mil hectares). Esta resolução provocou vários protestos e gerou um processo que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal favoravelmente aos índios.

Ignorando garantias constitucionais, a Assembleia aprovou e remeteu à sanção do Governador o Projeto de Lei no 1.077, tornando devolutas e revertendo ao domínio do Estado as terras concedidas aos índios Kadiwéus. Para dar a este projeto aparência de simples redução das terras indígenas, o artigo 2o delimitou uma gleba que ficaria em usufruto dos índios. Situou-a, porém, precisamente, na faixa de fronteira, ao longo do Rio Paraguai, porque esta, por um dispositivo constitucional, não poderia ser possuída, senão em condições muito especiais, fixadas pela legislação federal e não tendo, por isto mesmo valor de venda. Acrescentou-se, ainda, que a faixa de terras destinada aos Kadiwéus ficava no Pantanal, sendo inabitável durante seis meses do ano, por ficar coberta pelas águas do Paraguai e seus afluentes.

A usurpação foi tão evidente que o governador João Ponce de Arruda- PSD, negou-se a sancionar a lei, declarando-a inconstitucional e imoral. Devolvida então à Assembléia que se reuniu, rejeitou o veto, aprovou novamente o projeto original e o fez sancionar como Lei no 1.077 de 10 de abril de 1958, pelo seu presidente, deputado Rachid Mamede.

O presidente da Assembleia e os demais deputados, uma vez lavrada a ata de votação, dirigiram-se à Imprensa Oficial e ali fizeram imprimir apenas dois exemplares do Diário Oficial daquela data, com a nova lei, guardando um no Arquivo do Estado para servir, posteriormente de prova e levando o segundo, mais tarde, para a cidade de Campo Grande, sede da repartição que processava as concessões de terras devolutas de Mato Grosso.

Tomaram o cuidado, também de inutilizar temporariamente a oficina gráfica do Estado, 62 Cf. Anexos – Textos: Texto A. 78 para que o governador não pudesse publicar imediatamente ato próprio ou do Poder Judiciário, invalidando a lei. Em Campo Grande, os deputados, exibindo o texto da lei, registraram mais de uma centena de requerimentos de concessão de lotes de dois a cinco mil hectares das terras dos Kadiwéus. Surgiram a seguir dezenas de requerimentos, sendo a prioridade, porém, assegurando aos que tinham numeração mais baixa no protocolo de entrada e estes eram exatamente os dos deputados mato-grossenses. Muitos destes requerimentos atingiram os três postos do SPI, cujas casas, escolas, enfermarias, pastagens, cercas de arame farpado, currais de madeira de lei e outras benfeitorias quiseram-se apropriar. Quarenta e dois dias depois, ou seja, antes de esgotado o prazo mínimo de 60 dias fixado em lei, após a entrada dos requerimentos, começaram a ser depositados, na repartição competente, os laudos de medição de terras. Noticia-se que eram claramente falsos, porque ninguém procedera a medição sobre o terreno como mandava a lei e, muito menos, a demarcação.

Entretanto, mesmo sendo falsos, os laudos foram aceitos como validos, apesar dos protestos formulados pelo órgão indigenista oficial. A entrega dos laudos de demarcação seguiu-se o recolhimento, ao Tesouro do Estado, da importância de dez cruzeiros por hectare das glebas referidas. Em conseqüência da Lei no 1.077, já havia sido recolhido ao Tesouro mais de um milhão de cruzeiros, cujo recibo dava direito a concessão de titulo provisório de posse, negociável à media de mil a dois mil cruzeiros por hectare.

Assim, se montou uma das mais abusadas tentativas de grilagem de terras indígenas do Brasil, apesar dos protestos do governador, do procurador geral da Justiça e dos dirigentes da Repartição de Terras e Colonização do Estado e da Inspetoria Regional do Serviço de Proteção aos índios. Esta ultima impetrou mandado de segurança contra o ato do presidente da Assembleia que tramitou durante meses pelos tribunais de Mato Grosso, sem solução.

Consta que o juiz Antonio de Arruda esforçou-se mesmo por justificar o ocorrido, pronunciando-se pela desapropriação das terras dos Kadiwéus porque “[...] este seria, sem duvida, o processo mais equitativo e salutar, sobretudo se as terras expropriadas fossem depois cedidas aos pequenos agricultores, [...] como solução, ao menos parcial, do problema agrário de que hoje tanto se fala!” (CORREIO da Manhã, 1959, [s.p.]). Em 18 de abril de 1958, o Jornal do Comercio publicou em primeira página a manchete Trama escandalosa para apoderar-se das terras dos índios.

Segundo a reportagem, parlamentares de todos os partidos políticos estariam envolvidos no que foi denominado de marmelada imoral. A Delegacia de Terras de Campo Grande havia recebido, desde o dia 16, centenas de requerimentos e o governador João Ponce de Arruda-PSD, recusou-se a assinar os títulos de propriedade. Em 23 de abril do mesmo ano, o jornal voltou a publicar na primeira pagina o assunto com o titulo O veto governamental e o parecer da Comissão de Justiça rejeitando a opinião do Executivo. A matéria veiculou a mensagem governamental de veto a lei que reduzira as terras dos Kadiwéus e o parecer da CJ da Assembleia Legislativa, rejeitando o veto governamental.

A publicação dos dois documentos foi tratada como sendo de:[...] transcendental importância, que bem refletem a posição dos nossos homens de governo face ao momentoso assunto do avanço nas terras dos índios, que se fossem reduzidas em favor de pequenos lavradores, e não para beneficio de grupos para posteriores negociatas, teriam um significado muito mais elevado para o Estado [...] (JORNAL do Comercio, 1958, p.1).

Em 13 de marco de 1959, o Correio da Manhã, de circulação nacional, publicou em seu primeiro caderno uma reportagem com o seguinte titulo: Trama-se em Mato Grosso a mais torpe grilagem de terras indígenas do Brasil. Darcy Ribeiro foi entrevistado nesta matéria e mostrou-se indignado contra o que denominou de “usurpação escandalosa”.

Foi noticiado pelo Jornal O Estado - MS, B 5, no dia 12/05/2012, sábado passado que as terras em litígio foram compradas em 1921 da empresa extinta S/A Fomento argentino Sudamericano do governo do antigo Mato Grosso, sendo posteriormente a terra vendida aos atuais proprietários. Isso reforça o noticiado pelo Jornal do Comércio de 1958 que tenho cópia, sendo que outras empresas estrangeiras como New Castel, inglesa e empresas francesas adquiriram áreas também na região de Miranda que depois também foram vendidas aos brasileiros que compraram de boa fé, enquanto aqueles políticos que autorizaram a venda, apenas pensaram em encher o bolso de dinheiro.

Assim exposto, imagino que o Supremo Tribunal Federal ao dar continuidade ao julgamento da questão, deverá levar em conta que a classe produtora não tem culpa dos erros do passado, afinal este é um problema criado pelos políticos. Vide o caso do Panambizinho e o problema criado na Picadinha com relação ao quilombo, onde nunca ali chegou nenhum negro fugitivo, não houve escravidão, mas alguns “estoriadores” quiseram mudar a nossa história.

Dourados-MS, 13 de Maio de 2012.

(*)José Tibiriçá Martins Ferreira, advogado, licenciado em Letras com Inglês, produtor rural, estudioso do índio guarani e secretário geral do PSD em Dourados.

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