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O escândalo Wikileaks e a diplomacia dos EUA

Por Carlos Eduardo Vidigal (*) | 10/12/2010 07:29

A divulgação de uma nova série de documentos pelo site Wikileaks, mantido pelo australiano Julian Assange, causou certo alvoroço na imprensa e em alguns meios diplomáticos, mas, por enquanto, o teor das informações divulgadas ainda não pode ser considerado bombástico.

Para o senso comum, os documentos divulgados podem chocar pelo linguajar pouco diplomático de seus autores e pelo tom sarcástico de algumas passagens, porém, não chega a ser novidade entre historiadores, internacionalistas e cientistas políticos. Ao contrário, é de se presumir que os diplomatas norte-americanos, aparentemente protegidos pela natureza sigilosa de seus comunicados, dessem asas à imaginação. Ou melhor, que reproduzissem em seus informes o ponto de vista da Casa Branca.

Um exemplo de que esse tipo de documento não é uma novidade foi apresentado em dissertação de mestrado defendida, em 1991, no Departamento de História da Universidade de Brasília. No texto de autoria de Daniela Xavier, orientado pelo historiador e cientista político Moniz Bandeira, há a seguinte citação direta de documento de autoria de um diplomata norte-americano, referindo-se ao Brasil da primeira metade da década de 1950:

"Eu continuo acreditando que o Brasil, como muitas mulheres, requer freqüente atenção e muita paciência. Deixa-se seduzir ocasionalmente por um ou outro de seus pretendentes, mas nós pagamos suas contas e, creio, ela reconhece que nenhum outro poderia sustentá-la no padrão de vida do qual gostaria. Acredito que sabe que seria estuprada se a Rússia a apanhasse em um beco escuro e nós estivéssemos por perto, mas dá a nossa proteção como líquida e certa, e dá-se ao luxo de flertar com a Rússia enquanto as luzes estão acesas.

Fica com ciúme do tempo que gastamos no escritório na Europa e dos colegas que lá temos. Suspeita que a estamos traindo e pensa que jogamos dinheiro fora, no pôquer, com os amigos.

O Brasil tem interesse vital em que não abandonemos o lar, ainda que viver sob o mesmo teto seja um pouco difícil para ambos, algumas vezes. Particularmente, quando nós nos queixamos de seus gastos excessivos e nos recusamos a pagar novos eletrodomésticos até que as finanças estejam reequilibradas.

Não creio que jamais possamos satisfazer completamente o Brasil, mesmo com os mais deslumbrantes presentes que, aliás, não temos condições de pagar. O melhor que podemos fazer é reassegurar-lhe de tempos em tempos o nosso amor, dar-lhe compadecida atenção pelas suas dores e sofrimentos e desejar que atinja a maturidade logo, de modo que a vida em comum se torne menos instável. Com todos os seus defeitos, ela tem sido uma boa esposa e nós a necessitamos. Eu não a trocaria por uma nova amante, porque, apesar de tudo, ela é atraente e será uma boa companhia quando se tornar adulta".

O texto fala por si só e demonstra que esse tipo de procedimento é bastante antigo na atividade diplomática dos EUA. Quanto aos documentos divulgados neste último mês, pode-se observar que não houve nenhuma contestação séria quanto à veracidade dos mesmos; que eles demonstram a fragilidade das comunicações e da atividade de inteligência do Departamento de Estado; e que reproduzem o essencial do pensamento de Washington, pouco acrescentando ao processo decisório norte-americano.

A tendência é que a Casa Branca venha a aumentar o rigor no processo de comunicação na estrutura do Estado norte-americano e que os dirigentes dos países ofendidos façam uso dessas informações na barganha política junto àquele governo. Ou seja, perdem os EUA, que poderão perder ainda mais com a divulgação do restante do material em mãos do WikiLeaks.

(*) Carlos Eduardo Vidigal é professor do Departamento de História, da Universidade de Brasília, na área de História da América. Doutor em Relações Internacionais pela UnB, possui graduação em História, especialização e mestrado em História pela mesma universidade.

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