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O fim de uma guerra sem fim?

Por Estevão Chaves de Rezende Martins (*) | 26/05/2011 08:38

O conflito na Palestina é multissecular. A guerra que opõe israelenses e árabes da Palestina (e de outras regiões) desde 1947 começou no dia seguinte à aprovação, pela ONU, da Resolução 181, em 29 de novembro de 1947.

Cristina Retta Sivolella defendeu tese de doutoramento em História na Universidade de Brasília, em 2001, intitulada Los Palestinos: Historia de una Guerra sin fin y de una Paz ilusoria en el Cercano Oriente (1947-1995). Essa tese deixou claro que as circunstâncias políticas e ideológicas do conflito fazem o mundo e, forçosamente, Israel e Palestina, reféns de posições rígidas em que um considera o outro ameaça letal. Essa ameaça somente se superaria pela força, o que acarreta uma espiral de violência constante. Um impasse real que dura até hoje.

A Resolução 181 estipula a divisão da Palestina em dois Estados independentes - um árabe e outro hebreu. Com a instalação do Estado de Israel seis meses mais tarde, uma seqüência de guerras se sucede entre essas comunidades, cujo fim não estava próximo no período da Guerra Fria e que continua remoto em 2011. Mesmo se os conflitos armados generalizados tivessem cessado, as escaramuças, os atentados por míssil ou homens-bomba e as retaliações manteriam acesa a perigosa chama de uma explosão iminente. Cresce, no entanto, o sentimento de que essa situação não pode perdurar. No espaço do Oriente Próximo deve haver lugar para ambas sociedades e seus estados.

O histórico de conflitos, contudo, distorceu projetos e planos, desenhos de fronteiras e formas de convivência. Altos e baixos são constantes e sempre alimentaram o recrudescimento de hostilidades: em 1948, com a rejeição da proposta da ONU pelos estados árabes vizinhos à Palestina e a invasão do recém-criado Estado de Israel país pelas tropas do Egito, Síria, Iraque, Jordânia a primeira guerra terminou com um armistício em 1949, mas sem um tratado de paz. A seqüência de enfrentamentos militares em 1956, 1967 e 1973, entremeados por várias Intifadas e a invasão do Líbano, em 1982, ceifou inúmeras vítimas dos dois lados e manteve ânimos acirrados e desconfianças mútuas.

O estabelecimento da Autoridade Palestina na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, depois de a Jordânia e o Egito saírem do campo dos contendores, mesmo se diminuíram as frentes de confronto, não o resolveram de vez. As iniciativas estadunidenses [Camp David I (1979) e II (2000), Oslo (1993) e Wye Plantation (1998)], se contribuíram para certos avanços [coroados pelo Prêmio Nobel da Paz em 1994 para Itzhak Rabin, Shimon Peres e Yasser Arafat], não construíram uma solução duradoura.

Importa renegociar em base de confiança mútua, o que tampouco parece ser assim tão fácil nos dias de hoje. A retomada da iniciativa americana é a proposta do Presidente Barack Obama de tomar as fronteiras de 1967 como referência. Essa referência não é pacífica.

As colinas do Golan (fronteira com a Síria) e seu interesse estratégico (água, sobretudo) e a ocupação ‘preventiva’, em particular da Cisjordânia, por colônias de israelenses, a exigência de manter Jerusalém como capital de Israel, a cisão entre os palestinos (Al-Fatah na Cisjordânia e Hamas em Gaza, cuja reaproximação mal começou), as resistências político-ideológicas e religiosas na região (interferência constante do discurso radical do Irã, instabilidade no Líbano, crises repetidas nos últimos meses nos países árabes, inclusive na Síria), a experiência de Israel de defesa bem sucedida pela força, são alguns dos muitos fatores que entram na equação. Uma agenda pesada e antiga.

De qualquer maneira, fora da negociação não há saída. Que a negociação nesse caso complicado seja rápida é improvável, após mais de setenta anos de confronto. Que as fronteiras de 1967 (anteriores à situação decorrente do Setembro Negro promovido pela Jordânia em 1970) sejam claras e reconhecidas por todos os protagonistas é ainda menos convincente. Que os embates, as oposições e as rivalidades internas aos israelenses e aos palestinos continuem vivas é uma obviedade. Que qualquer solução negociada requeira garantias confiáveis é certo.

Que o clima de confiança entre Israel e a Autoridade Palestina seja restabelecido é indispensável, embora laborioso. O sistema internacional representado pela ONU tem de funcionar para valer (o que não foi o caso até o presente). Resta formular votos de que, dessa vez, embalada pela necessidade de a campanha presidencial americana de 2012 necessitar de um feito internacional de monta, a negociação saia do bloqueio em que se encontra há dez anos.

(*) Estevão Chaves de Rezende Martins é professor titular do Departamento de História, da Universidade de Brasília. Possui graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras-N S Medianeira e doutorado em Filosofia e História-Universitaet Muenchen (Ludwig-Maximilians).

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