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O país da corrupção enraizada

Por Chico Santa Rita (*) | 20/08/2011 09:46

Inconformado com o volume de casos de corrupção que assolam nosso País comecei, no dia 9 de maio/2011, a postar no twitter o “Escândalo do Dia”, um registro diário dos novos casos de desvios de dinheiro público e outros assaltos ao bolso (e à consciência) dos cidadãos.

A historiadora Fernanda Zuccaro, minha mulher e assistente, levantou uma possibilidade real: “e se num determinado dia não houver um escândalo a ser apresentado?”

Argumentei que não estava assumindo um compromisso fechado de apontar um caso a cada dia. Se nada houvesse a ser comentado, não haveria denúncia nenhuma. E até reconheceria o fato, dando graças a Deus por passarmos um dia sem nenhuma nova falcatrua consignada.

Isso ocorreu há 100 dias. E, tristemente, não tive nenhum problema de falta de assunto. Pelo contrário, coleciono numa pasta (à qual dei o significativo nome de “Estoque de Escândalos”) duas dezenas de casos que também poderiam ter sido comentados na seção, mas que reputei um pouco menos escabrosos, do que os 100 “Escândalo do Dia” registrados.

Não faltaram grandes imoralidades envolvendo figurões do governo: Pallocci, o reincidente; Transportes, o assalto carga pesada; Agricultura, o pessoal que colhe para os cupinchas, Turismo, as verbas públicas que voam.

Muitas prefeituras contribuíram mostrando que os desvios éticos começam nas cidades, quer sejam grandes como Campinas, médias como Taubaté, ou pequenas como Jandira – apenas para citar as de São Paulo, o mais próspero estado brasileiro; imaginem o que ocorre por aí afora.

A Petrobrás foi freguesa constante, com licitações no mínimo estranhas e denúncias de uso irregular de verbas de propaganda. Os buracos nas estradas paulistas, os pedágios, a Eletropaulo e outros concessionários de serviços públicos também marcaram presença, com recordes de mau atendimento.

Os índices estruturais brasileiros, comparativos com os das outras nações, mostraram-se muito desfavoráveis a nós, campeões mundiais de encargos trabalhistas, os maiores juros da dívida entre os G20, custo de vida dos mais caros do mundo, carga tributária maior entre os 30 países mais desenvolvidos, educação e saúde de baixíssima qualidade.

(Veja a publicação completa dos “Escândalos do Dia” em www.twitter.com/ChicoSantaRita.)

Mas é no Congresso Nacional que se mostra uma das faces mais perversas do compadrio institucionalizado visando o benefício próprio, em detrimento do bem público. Se aprofundarmos a pesquisa, só ali dá pra ter um “escândalo do dia”, todos os dias.

Três fatos recentes mostram a essência desse comportamento:

- 26/maio = A Câmara dos Deputados aprova projeto que institui penas alternativas mais brandas para punir parlamentares que cometerem desvios e irregularidades.

- 03/agosto = O Senado arquiva, por falta da assinaturas, o pedido de instalação da CPI da Corrupção.

- 15/agosto = Mais uma vez, deputados e senadores exigem que o governo libere verbas das emendas individuais.

Explicações para isso? Não querem punição e não deixam instalar um tribunal para julgar os crimes deles próprios. Isso é que se chama verdadeiramente “legislar em causa própria”. Essa pressa para a liberação de emendas, certamente não é para atender premências de utilização das verbas, em benefício da população.

É exatamente aí que está o cerne da questão: a corrupção tem crescido vertiginosamente, disseminada na apropriação particular dos bens públicos, consentida nos altos escalões governamentais e acobertada pela ausência de leis específicas para punir os corruptos.

O problema não é novo. Aliás, dá pra afirmar até que é atávico, conforme explica a psicóloga social Sandra Jovchelovitch, professora da LSE (London School of Economics) desde 1995, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo (07/12/2009), na qual afirma:

“A corrupção no Brasil é um problema sistêmico. Ela se alicerça em avatares muito profundos da nossa cultura, o que explica a recorrência dos escândalos e a nossa incapacidade histórica de lidar institucionalmente com eles. (...) Existe uma disseminação de um certo comportamento corrupto na sociedade brasileira. (...) A dinâmica do psicopata é de não sentir culpa, não se sentir responsável. E essa dinâmica é muito semelhante à da corrupção na esfera política.”

É sério. Não é mais uma simples chacota personificada na “Lei de Gerson”, aquela que mandava “levar vantagem em tudo”. Já atingimos níveis insuportáveis na convivência diária e até em escala mundialmente reconhecida, como o IPC – Índice de Percepção de Corrupção, da Transparência Internacional (2010), que nos coloca em vergonhoso 69º. lugar.

A penosa constatação sobre o volume da corrupção brasileira é essa. A solução pode ser demorada, tamanho o estrago já feito. E não dá para esperar que a reação parta, em combustão espontânea, de um sistema político decrépito qual o nosso. Terá que ser empurrada goela abaixo, a partir do inconformismo das pessoas honestas, que precisam deixar de fazer vistas grossas, com a complacência de achar que é assim mesmo, que isso existe no mundo todo.

Essa maioria silenciosa tem que, enfim, levantar a voz, para que a força da opinião pública e a ação da sociedade civil, através de todos os espaços e mecanismos disponíveis, possam gritar um sonoro e convincente “Basta!”

Pois talvez o mais insidioso entre todos os escândalos seja o fato de estarmos nos acostumando e convivendo passivamente com eles. Até quando?

(*) Chico Santa Rita é publicitário.

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