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O regime jurídico das inelegibilidades aplicável às eleições de 2012

Por Hardy Waldschmidt (*) | 18/07/2012 14:26

A inelegibilidade, que representa impedimento à capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição de ser candidato e, por consequência, de ser votado, decorre diretamente da Constituição Federal ou de lei complementar.

Enquanto a inelegibilidade de natureza constitucional pode ser arguida no registro de candidatura e até mesmo após as eleições, por meio da ação recurso contra a diplomação, a inelegibilidade infraconstitucional deve ser suscitada apenas no registro de candidatura, já que se submete à regra da

preclusão, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade, conforme estabelecem os arts. 259 do Código Eleitoral e 11, § 10, da Lei das Eleições.

O regime jurídico das inelegibilidades é único para todos os candidatos e corresponde ao regime constitucional e legal complementar que se encontra em vigência, observado o art. 16 da Constituição Federal, ou seja, as hipóteses constitucionais estão previstas em seu art. 14 e as infraconstitucionais no art. 1.º da Lei Complementar n.º 64, de 18.05.90, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar n.º 135, de 4.6.2010, popularmente denominada Lei da Ficha Limpa.

Assim que foi publicada, alguns dispositivos da Lei da Ficha Limpa tiveram a sua constitucionalidade questionada por muitos, de detentores de cargos públicos a operadores do direito eleitoral. Com a finalidade de dirimir as dúvidas sobre sua constitucionalidade antes de iniciado o processo eleitoral de 2012, foram impetradas no Supremo Tribunal Federal as seguintes ações que

tratam da Lei Complementar nº 135:

1) Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 29, apresentada pelo Partido Popular Socialista, requerendo “o julgamento em definitivo para

declarar a constitucionalidade da aplicação da LC 135/2010 a atos e fatos jurídicos que tenham ocorrido antes do advento do referido diploma

legal, pelos fundamentos consignados nesta exordial”;

2) Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 30, apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, requerendo “após o devido processamento, seja julgado procedente o pedido de declaração de constitucionalidade da Lei Complementar nº 135/2010 (“Lei do Ficha Limpa”)”;

3) Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578, apresentada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais, requerendo “a procedência

da ação, declarando-se a inconstitucionalidade da letra “m”, do art. 2º, da LC n. 135, de 4.6.2010”.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto das Ações Declaratórias de

Constitucionalidade nº 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578, em 16.2.2012, decidiu, por maioria de votos, que os dispositivos que tratam das hipóteses de inelegibilidade, constantes da Lei Complementar nº 135, são constitucionais, alcançando, inclusive, atos e fatos

jurídicos ocorridos antes de sua vigência. Eis a ementa do acórdão, publicado no DJe de 29.6.2012:

EMENTA: AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS:

AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL.

ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO

LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.

1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual

a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art.

5º, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da

cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema

normativo pretérito (expectativa de direito).

2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o

exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício

da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício

de profissão por violação de dever ético-profissional.

3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.

4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 não viola o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o

pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão

da presunção de inocência para o âmbito eleitoral.

5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os

enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.

6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.

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7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei

Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.

8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.

9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal.

10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto

hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 53, § 6º, da Constituição

Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé.

11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.

12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado.

13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam

procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”,

“m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em

parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade

posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.

14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto

no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. GILMAR MENDES (repercussão geral).

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos este autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em julgar procedente a ação.

Brasília, 16 de fevereiro de 2012.

Portanto, o regime jurídico das inelegibilidades infraconstitucionais (Lei Complementar n.º 64, de 18.05.90, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar n.º 135, de 4.6.2010), deverá ser aplicado em sua integralidade no processo eleitoral de 2012.

Tendo em vista a declaração de constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, afirmada pelo Pretório Excelso nas ADCs 29 e 30, restrita aos dispositivos que tratam das hipóteses de inelegibilidade, desde a publicação do respectivo acórdão, a decisão do Supremo Tribunal Federal produz eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder

Judiciário e do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal, conforme prescreve o art. 102, § 2º, da Constituição Federal. Desse modo, todos, indistintamente, estão obrigados a observar a interpretação emanada pela Corte Constitucional.

Um dos pontos centrais do referido julgamento conjunto envolveu o confronto entre os dispositivos da Lei da Ficha Limpa e o princípio da irretroatividade das leis. Na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 29, em que foi requerida a declaração da constitucionalidade da aplicação da

Lei Complementar n.º 135/2010 a atos e fatos jurídicos que tenham ocorrido antes do advento do referido diploma legal, houve sete votos declarando a sua constitucionalidade (Ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Dias Toffoli, Rosa Weber, Carmén Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto) e quatro votos contrários (Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso).

Sobre a aplicação a fatos anteriores, o ministro relator considerou que a Lei da Ficha Limpa não viola o princípio constitucional da irretroatividade das leis, na compreensão que se trata de hipótese de retroatividade inautêntica ou retrospectividade, em que a lei atribui novos efeitos

jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente, a exemplo das modificações dos estatutos funcionais ou de regras de previdência dos servidores públicos (v. ADI 3105 e 3128).

Asseverou o Ministro Luiz Fux em seu voto: “[......] A aplicabilidade da Lei Complementar n.º 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao ius honorum (o direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, por exemplo – estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no tempo. Esta, portanto, a primeira consideração

importante: ainda que se considere haver atribuição de efeitos, por lei, a fatos pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade, já admitida

na jurisprudência desta Corte.

Demais disso, é sabido que o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal preserva o direito adquirido da incidência da lei nova. Mas não parece correto nem razoável afirmar que um indivíduo tenha o direito adquirido de candidatar-se, na medida em que, [...........].

Em outras palavras, a elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, consubstanciada no não preenchimento de requisitos “negativos” (as inelegibilidades). Vale dizer, o indivíduo que tenciona concorrer a cargo eletivo deve aderir ao estatuto jurídico eleitoral.

Portanto, a sua adequação a esse estatuto não ingressa no respectivo patrimônio jurídico, antes se traduzindo numa relação ex lege dinâmica.

É essa característica continuativa do enquadramento do cidadão na legislação eleitoral, aliás, que também permite concluir pela validade da

extensão dos prazos de inelegibilidade, originariamente previstos em 3 (três) , 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, para 8 (oito) anos, nos casos

em que os mesmos encontram-se em curso ou já se encerraram. Em outras palavras, é de se entender que, mesmo no caso em que o 3 indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de acordo com as hipóteses e prazos anteriormente previstos na Lei Complementar nº 64/90, esses prazos poderão ser estendidos – se ainda em curso – ou mesmo restaurados para que cheguem a 8 (oito) anos, por força da lex nova, desde que não ultrapassem esse prazo.

Explica-se: trata-se, tão-somente, de imposição de um novo requisito negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo,

que não se confunde com agravamento de pena ou com bis in idem. Observe-se, [...........].”

Já o Ministro Dias Toffoli consignou em seu voto:

“[......] A incidência da Lei Complementar nº 135/10 a casos pretéritos não diz respeito à retroatividade da lei de inelegibilidade, ou das

novas causas de inelegibilidade, mas, sim, à sua aplicação aos processos eleitorais vindouros.

E qual momento do tempo determina as regras aplicáveis às condições de elegibilidade: (i) a data da prática do ato ou fato; (ii) a data de

encerramento do processo judicial ou administrativo; ou (iii) a data do ato do registro de candidatura?

Como já é assente no Direito nacional, não há direito adquirido a regime jurídico de elegibilidade, o qual se afere no ato do registro da

candidatura, sob o império da condição rebus sic stantibus, e, portanto, segundo as leis vigentes nesse momento.

Não se impede, portanto, que se amplie o prazo de vedação à candidatura, ou a aplicação da novel legislação a fatores de inelegibilidades ocorridos anteriormente à sua vigência, pois esses requisitos devem ser aferidos em um momento único, como garantia da isonomia entre todos os postulantes à candidatura, e esse momento é e deve ser o do ato do registro da candidatura (§ 10, do art. 11, da Lei n.º 9.504/97).

Esse deve ser o marco temporal único, pois somente assim se colocam em patamar de igualdade todos os postulantes.

No meu sentir, aplicar o princípio da irretroatividade às hipóteses de inelegibilidade instauraria uma situação de insegurança jurídica nas

eleições vindouras, pois teríamos um duplo regime jurídico de inelegibilidades, incompatível com a necessária estabilidade das regras que

regem o processo eleitoral.

Não aplicar a Lei Complementar nº 135/10 a todos os pedidos de registro de candidatura futuros teria o efeito de fazer permanecer a legislação anterior, e suas hipóteses e prazos de inelegibilidade, em situação de ultra-atividade, pois, ainda que revogados, permaneceriam aplicáveis aos atos, fatos e processos que foram realizados, praticados ou finalizados anteriormente à vigência da lei.

Essa situação faria incidir sobre o mesmo processo eleitoral um duplo regime jurídico de inelegibilidades, de forma que, no mesmo pleito, teríamos candidatos submetidos à LC nº 135/10 e outros, à legislação anterior. E essa situação permaneceria por tempo indefinido, pois, embora o ato ou fato possa ter sido praticado em momento anterior à vigência da LC nº 135/10, o trânsito em julgado da condenação – ou mesmo a condenação em órgão colegiado, como afirma a legislação – poderá ocorrer somente daqui a cinco, dez - sabe-se lá quantos - anos.

Sem falar que, nesse espaço de tempo, podem ser editadas novas leis e criadas novas hipóteses de inelegibilidade. Assim, ao invés de

dois, teríamos três, quatro regimes simultâneos de inelegibilidade.

Para melhor ilustrar o argumento, cito um exemplo, ainda mais radical: uma emenda constitucional, em tese, poderia ampliar o art. 14, §

7º, da Constituição, para estabelecer que são inelegíveis os parentes consanguíneos ou afins dos agentes políticos ali elencados, até o terceiro

grau, e não mais até o segundo grau.

Se, nesse caso, se impedisse a aplicação dessa causa de inelegibilidade aos fatos anteriores à edição da lei, a nova regra somente valeria para os parentes de terceiro grau (tios ou sobrinhos) dos mandatários em questão que nascessem a partir da data da vigência da emenda!?

Ora, Senhores Ministros, se uma norma passa a exigir novas condições para que alguém seja candidato, essa inovação embora esteja pautada por um fato pretérito, somente deve valer para processos eleitorais futuros. Em outras palavras, o novo critério selecionador de condições subjetivas de elegibilidade terá efeitos, necessariamente, no futuro, mas buscará seus requisitos no passado.

E o que evitaria a criação de cláusulas de inelegibilidades casuísticas? O art. 16 da Constituição da República. A lei que alterar o processo eleitoral, afirma o artigo 16, CF/1988, não se aplica à eleição que ocorra até um ano de sua vigência. Com o princípio da anterioridade eleitoral, a Carta Magna assegura que as mudanças no processo eleitoral não sejam editadas com a finalidade de favorecer ou prejudicar determinado candidato.

Como explicitado pelo eminente Ministro Celso de Mello, na ADI 3.345, DJe-154 20/8/2010, os contornos do art. 16, CF/1988, foram devidamente assentados como uma norma “que consagra o postulado da anterioridade eleitoral (cujo precípuo destinatário é o Poder Legislativo)” e que se vincula, “em seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos), vulnerando-lhes, com inovações

abruptamente estabelecidas, a garantia básica de igual competitividade que deve sempre prevalecer nas disputas eleitorais”.

Não vejo, por isso, inconstitucionalidade na alínea “c” do art. 1º, e não vejo óbice constitucional para concluir pela possibilidade de

aplicação das novas causas e prazos de inelegibilidade a fatos ocorridos anteriormente à edição da lei complementar nº 135/10. [......]”

Por fim, segue trecho do voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI:

“[......] Desse modo, concluo que a expressão “os que forem condenados” não exclui do alcance da LC 135/2010 os candidatos já apenados, pois lei eleitoral nova que altere as causas de inelegibilidade – ampliando ou não seu gravame – aplica-se imediatamente.

Não se trata, pois, nessas hipóteses ou em outras contempladas na LC 135/2010, em especial aquela objeto de discussão nestes autos, a meu ver, de hipótese de retroatividade. Isso porque, por ocasião do registro, considerada a lei vigente naquele momento, é que são aferidas as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade. São, portanto, levados em linha de conta, no momento oportuno, fato, ato ou decisão que acarretem a impossibilidade de o candidato obter o registro.

Também não se pode perder de vista que, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte e do TSE, as normas que alteram ou impõem inelegibilidades não têm caráter penal, como também não configuram sanção. Constituem regras de proteção à coletividade, que estabelecem preceitos mínimos para o registro de candidaturas, tendo em mira a preservação dos valores republicanos.

É que, como bem assevera José Afonso da Silva, “a Constituição não veda a retroatividade da lei, a não ser da lei penal que não

beneficie o réu. Afora isto, o princípio da irretroatividade da lei não é de direito constitucional, mas princípio geral de Direito”. 11

No mesmo sentido, Dalmo de Abreu Dallari afirma que: “Outra alegação é que a aplicação da Lei da Ficha Limpa a situações estabelecidas anteriormente seria contrária à regra constitucional que proíbe a retroatividade.

Também nesse caso está ocorrendo um equívoco. De fato, a Constituição proíbe a aplicação retroativa da lei penal, encontrando-se essa interdição em disposição expressa do artigo 5º, inciso XL, segundo o qual ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’. Ora, não há como confundir uma lei que estabelece condições de inelegibilidade, uma lei sobre as condições para o exercício de direitos políticos, com uma lei penal.

Veja-se que a própria Constituição, no já referido artigo 14, parágrafo 9º, manda que seja considerada a vida pregressa do candidato, ou seja, o que ele fez no passado, para avaliação de suas condições de elegibilidade. Assim, pois, não ocorre a alegada inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, porque ela não fixa pena, mas apenas torna explícito um dos aspectos da vida pregressa que podem gerar a inelegibilidade”.

A jurisprudência do STF e do TSE, sedimentada a partir do advento da LC 64/90, cumpre lembrar, formou-se exatamente nessa direção.

No julgamento do Recurso 8.818/SE, julgado em 14/8/1990, por exemplo, o Relator, Min. Octavio Gallotti, afirmou não haver aplicação retroativa de norma penal, “mas incapacidade para eleição futura”.

Em hipótese semelhante, que também cuidava do art. 1º, I, e, da LC 64/90, o Min. Carlos Velloso, no Recurso 10.127/PR, de 24/9/1992, na mesma linha, assentou ser “impossível se falar em direito adquirido, face à ausência de elementos constitutivos de sua formação [...] O que se verifica no caso sob exame é o efeito dinâmico de uma situação, alcançado pela norma superveniente de direito público”.

Ainda com relação ao mesmo dispositivo, o Min. Sepúlveda Pertence, no julgamento dos Recursos 10.138/SP, de 17/9/1992, e 9.797/PR, de 19/9/1992, partindo do pressuposto de que a inelegibilidade não é pena, consignou: “aplica-se, pois, a alínea e, do art. 1º, I, da Lei de Inelegibilidades aos condenados pelos crimes nela referidos, ainda que o fato e a condenação sejam anteriores à vigência”.

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Na mesma linha, no Recurso 9.052/RS, Rel. Min. Pedro Acioli, de 30/8/1990, entendeu-se que o art. 1º, I, g, da LC 64/90 incidia sobre aqueles que tinham suas contas rejeitadas, mesmo antes da vigência da lei.

Confirmando também que o art. 1º, I, g, da LC 64/90 aplicava-se àqueles que tinham contas rejeitadas antes do advento da Lei de Inelegibilidades, o STF, no MS 22.087, Rel. Min. Carlos Velloso, em 10/5/96, assentou que as inelegibilidades não constituem pena, sendo possível a “aplicação da LC 64/90 a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência”.

Na verdade, o próprio legislador complementar, vislumbrando a possibilidade de o diploma em comento alcançar situações jurídicas anteriores à publicação do novo diploma, previu que “os recursos interpostos antes da vigência desta Lei Complementar poderão ser aditados para o fim a que se refere o caput do art. 26-C da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, introduzido por esta Lei Complementar” (art. 3º da LC 135/10).13

Vê-se, assim, que as causas de inelegibilidade, enquanto normas de ordem pública, aplicam-se a todos indistintamente, contemplando, inclusive, situações jurídicas anteriores à publicação da LC 135/2010, cabendo à Justiça Eleitoral verificar – no momento do pedido de registro de candidatura – se determinada causa de inelegibilidade prevista em abstrato na legislação incide ou não em uma situação concreta, tal como

sempre ocorreu em todos os pleitos. [......]”

Desde a publicação no DJe de 29.6.2012, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, proferido no julgamento conjunto das ADCs 29 e 30 e ADI 4578, diante da natureza vinculante dessas ações, impõese sua observância por todas as instâncias inferiores.

Da inobservância de decisão proferida em sede de ação de declaração de constitucionalidade decorre relevante consequência de caráter processual: a possibilidade de utilização da reclamação junto ao STF para assegurar a eficácia de suas decisões.

Contudo, não poderia deixar de registrar a existência de três julgados recentes do TSE, proferidos após o julgamento das ADCs 29 e 30 e ADI 4578, dois pelo plenário e um monocrático, em que esse entendimento não foi seguido pela Corte Superior Eleitoral:

1) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO Nº 4769-14. 2010.6.21.0000

Relator: Ministro Marco Aurélio Ementa: INELEGIBILIDADE – COISA JULGADA – LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010 – RETROAÇÃO MÁXIMA.

Contraria, a mais não poder, a primeira condição da segurança jurídica – a irretroatividade da lei – olvidar, colocar em plano secundário, ato jurídico perfeito por excelência – a coisa julgada –, ante a Lei Complementar nº 135/2010, implementando-se retroatividade máxima.

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em desprover o agravo regimental, nos termos das notas de julgamento.

Brasília, 10 de maio de 2012.

Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Presentes as Ministras Nancy Andrighi e Laurita Vaz, os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Arnaldo

Versiani e Henrique Neves, e a Vice-Procuradora-Geral Eleitoral, Sandra Cureau.

2) RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 4851-74.2009.6.14.0000

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Ementa: ELEIÇÕES 2008. Recurso especial em ação de investigação judicial eleitoral. Doação de combustíveis a eleitores. Captação ilícita de

sufrágio e abuso de poder econômico. Cassação dos mandatos do prefeito e vice-prefeito e inelegibilidade aplicada em oito anos.

Impossibilidade de se reexaminar fatos e provas em recurso especial. Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal. Acórdão recorrido de acordo com os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral. Ausência de prequestionamento de parte das matérias suscitadas. Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal. Prazo da inelegibilidade. Inaplicabilidade da Lei Complementar n. 135/2010 a fatos anteriores à sua vigência. Recurso especial parcialmente provido para reduzir a inelegibilidade de 8 para 3 anos, nos termos da norma do inc. XIV do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, anterior à vigência da Lei Complementar n. 135/2010.

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em prover parcialmente o recurso, nos termos das notas de julgamento.

Brasília, 8 de maio de 2012.

Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Presentes a Ministra Nancy Andrighi, os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Gilson Dipp, Arnaldo Versiani e Henrique Neves, e o Procurador-Geral Eleitoral, Roberto Monteiro Gurgel Santos.

3) AÇÃO CAUTELAR Nº 465-83.2012.600.0000

Relator: Ministro Marco Aurélio

Decisão Liminar: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO - INELEGIBILIDADE - AÇÃO CAUTELAR - MEDIDA ACAUTELADORA - EMPRÉSTIMO

DE EFICÁCIA SUSPENSIVA ATIVA A RECURSO ESPECIAL.

1. A Assessoria prestou as seguintes informações:

2. Observem a organicidade e a dinâmica do Direito. Os autores não obtiveram, até aqui, pronunciamento favorável. Assim, a concessão de

simples efeito suspensivo ao recurso especial não acarretaria utilidade. Sob o ângulo da eficácia suspensiva ativa, este Tribunal já se manifestou no sentido da inaplicabilidade da nova redação conferida ao inciso XIV do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990 pela de número 135/2010 a fatos anteriores à alteração legislativa. Confiram o Recurso Especial Eleitoral nº 485174, Relatora Ministra Cármen Lúcia, sessão de julgamento de 8 de maio de 2012.

A hipótese, tendo em vista o contido na redação anterior do aludido preceito, é de inelegibilidade por três anos. O período já transcorreu.

3. Defiro a medida liminar, para emprestar eficácia suspensiva ativa ao Recurso Especial Eleitoral nº 95677162, com as consequências próprias, presente a situação eleitoral dos autores.

4. Citem os réus. 5. Com as manifestações, colham o parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral. 6. Publiquem. 7. Comuniquem.

Brasília, 19 de junho de 2012.

Ministro MARCO AURÉLIO, Relator.

Porém, recentemente, em 3.7.2012, na Reclamação n.º 14055, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ayres Britto, concedeu liminar suspendendo os efeitos da decisão proferida na Ação Cautelar n.º 465-83.2012.600.0000 acima descrita, com base no entendimento adotado pela Corte

Suprema de que a Lei da Ficha Limpa aplica-se a fatos anteriores a sua entrada em vigor.

(*) Hardy Waldschmidt é secretário judiciário do TRE/MS e professor de Direito Eleitoral da ESMAGIS.

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