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O som das ruas

Por Selvino Heck (*) | 29/06/2013 10:51

Dois fatos.

19 de junho de 2013, Auditório do Anexo do Palácio do Planalto, reunião plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Renato Maluf, antigo militante das causas sociais e da boa luta, ex-presidente do CONSEA, ao iniciar relato de reunião do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional acontecida faz pouco em Porto Alegre, diz: “Neste momento histórico em que os jovens e meus filhos vão de novo às ruas para dizerem o que pensam e o querem, eu me sinto revigorado, como sinto revigorada a democracia.” E chora, sob os aplausos de todas e todos.

25 de junho de 2013, uma passeata de mil moradores da Rocinha, Rio de Janeiro, percorreu cerca de 4,5 quilômetros até o Leblon, até a frente da casa do governador. Os manifestantes, muitas crianças e adolescentes, exibiam cartazes pedindo paz e criticavam a instalação de um teleférico na Rocinha. A estudante Erica dos Santos afirmou que a ideia era chamar para as obras de saneamento que não foram feitas na comunidade. “A creche não funciona e na UPA o atendimento é péssimo.”

Duas frases.

21 de junho de 2013, em pronunciamento à Nação, a presidenta Dilma Rousseff disse: “É a cidadania, e não o poder econômico, quem deve ser ouvida em primeiro lugar”.

25 de junho de 2013, Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou, depois de reunião com a presidenta Dilma Rousseff: “Há necessidade no Brasil de incluir o povo nas discussões sobre reforma. O Brasil está cansado de reformas de cúpula. Todos os momentos cruciais tiveram decisões de cúpula. A Independência foi um conchavo de elites, a República foi um movimento em que o povo esteve totalmente excluído. O que se quer hoje é o povo participando das decisões”.

Fruto e no bojo deste momento histórico, comparável à luta pela Anistia nos anos 1970, às Diretas-Já (1984), à Constituinte (1987/88), à primeira eleição direta para presidente (1989), ao impeachment de Collor (1992), à eleição de Lula presidente (2002), a presidenta Dilma recebeu em uma mesma semana representações do Movimento Passe Livre (MPL), que iniciou as manifestações por todo país, dos movimentos populares urbanos, das Centrais Sindicais, dos movimentos de juventudes, do movimento LGBT (e ainda há outros setores sociais por serem recebidos), e anunciou a proposta e o apoio do governo à realização de um plebiscito sobre a reforma política.

A história brasileira quase sempre foi feita de cima para baixo, pelas elites, sejam nacionais, sejam estrangeiras. Nas poucas vezes em que foi feita de baixo para cima, a partir da luta popular e da mobilização social, o Brasil conquistou e consolidou a democracia e os direitos dos pobres e dos trabalhadores. Sempre se dizia nas pastorais populares, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Teologia da Libertação, que era preciso dar vez e voz aos historicamente excluídos.

Este é um momento em que a história faz-se na nossa frente, com vez e voz para os de baixo, onde e quando os poderes sentem-se pressionados e os governos, quando são democráticos, antes de tudo ouvem e procuram entender. Nas palavras da presidenta Dilma, “eu estou ouvindo vocês. Eu tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas como dialogar com todos os segmentos. Só tornaremos isso realidade - o Brasil um país democrático e um país mais justo –, se fortalecermos a democracia, o poder cidadão e os poderes da República”. E, ouvindo e entendendo, poderes e governos dão resposta às reivindicações, no diálogo e na participação democráticas.

Como se está vendo, há muito a avançar na consolidação e ampliação da democracia brasileira. Há instituições empoeiradas, cristalizadas. Há uma política e suas expressões institucionais distantes da base popular. Como há muito a avançar em justiça social, distribuição de renda e igualdade. O som das ruas, de baixo para cima, se faz ouvir e precisa ser ouvido: por quem está em governos, por quem está em instâncias de poder, por quem, há mais ou menos tempo, quer mudar o Brasil.

Vozes novas, do século XXI e do novo milênio, começaram a manifestar seus desejos, sua visão de mundo, seus sonhos. Na rua e na coragem, olham para o novo e o futuro. Quando antigos militantes, emocionados, choram e se veem revigorados, quando o povo da Rocinha vai à rua e grita suas necessidades e seus direitos, quando o Palácio é aberto para todos e todas dizerem sua mensagem, seus compromissos e sua esperança, pode-se dizer, sim, que a história está acontecendo, que não se pode temer a voz e o som das ruas, que não se pode deixar de ouvir e prestar muita atenção à juventude deste país.

Nos anos 1960 Geraldo Vandré cantava este hino e refrão, ainda hoje cantados por militantes, sonhadores e pela juventude, e que vale e está vivo em 2013: “Vem, vamos embora/ que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/ não espera acontecer”.

(*) Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.

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