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Os paradoxos da aposentadoria e envelhecimento saudável

Por Leonardo Martins Barbosa (*) | 06/10/2016 14:43

A evolução nos proporcionou habilidades fantásticas, mas ainda assim apresentamos pontos fracos. Por exemplo, temos uma limitação importante em relação à tomada de decisões que geram benefício imediato, mas prejuízo a longo prazo. Essa é uma das explicações porque pegamos empréstimos a juros impagáveis, consumimos quantidades letais de açúcar ou rompemos relações com pessoas que nos amam. Nossa capacidade de planejamento é facilmente obstruída por emoções e ideias que nos influenciam a agir imprudentemente. Aliada a um contexto demográfico em transição, essa perspectiva nos ajuda a entender melhor porque a aposentadoria e o envelhecimento são previsíveis, mas costumam nos encontrar despreparados.

As evidências sobre a relevância e abrangência desses fenômenos são convergentes. A cada segundo, duas pessoas ao redor do mundo fazem 60 anos. Em todo o planeta, a expectativa de vida cresceu 50% desde a metade do século passado e os idosos são a faixa etária que mais cresce atualmente – liderada pela região da América Latina, onde a proporção de idosos deve aumentar em 71% nos próximos 15 anos. Consequentemente cresce a população de aposentados: em 2060, estima-se que metade da população economicamente ativa no Brasil estará apta a se aposentar.

É possível identificar 3 paradoxos que ilustram nossa vulnerabilidade aos fenômenos da aposentadoria e do envelhecimento. O primeiro, que podemos chamar de paradoxo da identidade, representa divergências centrais na literatura científica sobre aposentadoria. Uma revisão de publicações dos últimos 25 anos mostra que, de forma geral, as pesquisas utilizam definições sobre aposentadoria baseadas em redução da carga-horária trabalhada, existência e magnitude de remuneração e natureza da atividade – aspectos que caracterizam o ato de aposentar-se. Complementarmente, outra revisão também sobre a literatura publicada nas últimas duas décadas e meia revela que a pesquisa sobre aposentadoria se divide em três grandes áreas: saúde, finanças e política pública – dimensões da vida afetadas pelo ato de aposentar-se. As definições de aposentadoria e as pesquisas na área cobrem partes distintas de um mesmo processo.

O segundo dilema, que podemos denominar paradoxo do desejo, representa um contexto em que queremos aposentar, mas não queremos envelhecer. A cada indício de que mudarão as regras para a aposentadoria, os cálculos são refeitos; expectativas variadas – a viagem a Paris, o divórcio, a convivência com os amigos – são alocadas para datas posteriores à assinatura da aposentadoria. Enquanto isso, a expectativa e os sinais já presentes do envelhecimento são tolerados como um vizinho desagradável que evitamos a todo custo. No encontro de expectativas conflitantes, as pesquisas mostram que geralmente não nos preparamos nem para aposentadoria, nem para o envelhecimento.

Por fim, o paradoxo do tempo: tempo e preocupação são inversamente proporcionais. Como em outras situações em que os custos da escolha demoram a aparecer, a tranquilidade que prevalece quando ainda nos resta bastante tempo tende a ser substituída pela preocupação à medida que o tempo avança. Um relatório de 2014 mostra esse fenômeno por meio da comparação internacional: países com população jovem se preocupam menos com o envelhecimento do que países com população mais idosa. Por exemplo, enquanto apenas 31% dos brasileiros acreditam que o crescimento do número de idosos é um problema, 87% dos japoneses avaliam essa situação como um problema nacional. Assim a baixa preocupação provavelmente desfavorece tanto a adoção de políticas públicas como de comportamentos preventivos, preparando a população para o despreparo. Mesmo que alguns dos melhores preditores de adaptação à aposentadoria sejam de simples implementação, como interação social e lazer, há pouca motivação para a mudança de comportamento com a antecedência adequada.

Os 3 paradoxos deixam claro que há desafios importantes no caminho da promoção para uma boa aposentadoria e para um envelhecimento saudável. Em termos sociais, provavelmente as intervenções efetivas resultarão de políticas públicas, que no momento são insuficientes para nos tranquilizar. Na verdade, são insuficientes para tranquilizar as pessoas ao redor do mundo: dados internacionais mostram que nos países em que mais se credita ao governo a responsabilidade pelo bem-estar dos idosos, maior é a preocupação com o envelhecimento.

Nesse cenário, programas de educação para a aposentadoria que ainda não foram integrados a políticas públicas são uma boa alternativa. O objetivo geral é promover comportamentos relacionados aos melhores preditores de uma boa adaptação à aposentadoria – mais especificamente, trata-se de comportamentos que promovem saúde física e psicológica, finanças organizadas, lazer e interação social. E esse processo ainda conta com um bônus inestimável: os benefícios relacionados a esses fatores são imediatos, promovendo melhora da qualidade de vida imediata antes de facilitar e favorecer o ajustamento à aposentadoria. Para quem já se interessa pelo o tema, a UnB oferece semestralmente um programa gratuito de educação para a aposentadoria para seus servidores.

Embora a habilidade de planejar com tantos e variados aspectos não seja nosso forte, temos a real capacidade de antever o futuro e de modificá-lo por meio de intervenções no presente. Para isso, bastam algumas ações simples. Comportamentos como a melhora da alimentação, a prática regular de exercícios e o cultivo de uma rede social comprovadamente trazem benefícios físicos e psicológicos imediatos, além de estender e agregar qualidade à expectativa de vida. E o melhor momento para começar esse projeto é agora! Boa sorte!

(*) Leonardo Martins Barbosa é graduado, mestre e doutor em Psicologia Clínica pela UnB (Universidade de Brasília); atua como psicólogo clínico cognitivo-comportamental e como consultor na Flume Consultoria, empresa de promoção de saúde e bem-estar. Pesquisa aplicações da Terapia de Aceitação e Compromisso na preparação para a aposentadoria e no envelhecimento saudável. É membro da BRAPEP (Associação Brasileira de Pesquisa em Prevenção e Promoção da Saúde).

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