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Pensando ciência, repensando inovação

Por Ester Vilela de Andrade Gomide e Evaldo Ferreira Vilela (*) | 23/01/2016 08:35

Na economia globalizada, a necessidade de conhecimento para melhorar a competitividade das empresas carrega consigo um foco em investimentos de pesquisa e desenvolvimento direcionados para a obtenção da inovação. Nessa tônica, torna-se cada vez mais difícil mobilizar recursos para investimento em pesquisa sem o retorno prático imediato. Essa questão traz à tona a discussão que teve origem em 1945, no modelo de Vannevar Bush, sobre a diferenciação entre pesquisas básica e aplicada como fases distintas do processo de produção de conhecimento científico e tecnológico. Esse modelo trata conhecimento e o uso deste como objetivos conflitantes, sem compreender as pesquisas duplamente orientadas.

Já o modelo de Donald Stokes, de 1997, apresenta o Quadrante de Pasteur, o qual combina a relevância da pesquisa para o conhecimento básico e para as aplicações econômicas ou sociais imediatas, mostrando o fluxo constante entre a teoria e a prática.

Por sua vez, Charles Mees, em 1920, tratou a diferença entre ciência pura e aplicada como meramente de intenção. A história corrobora o argumento com pesquisas desenvolvidas no interesse da ciência pura que provaram ser de grande valor para a indústria. Foi assim no caso de Ada Yonath, Prêmio Nobel de Química em 2009, que lutou contra a descrença da comunidade científica até conseguir desvendar a estrutura do ribossomo. Esse conhecimento contribui hoje para a elucidação da ação dos antibióticos, além de ter motivado outras pesquisas. Artur Ávila, ganhador da Medalha Fields de 2014, ilustra de forma bem-humorada a busca pela aplicabilidade da pesquisa. Ele pede que imaginemos um babilônio pleiteando verbas para pesquisar números primos, justificando que o propósito é a criptografia, a ser usada 5.000 anos depois para pagamento de contas com cartão de crédito!

Assim, no discurso que tem como foco a inovação, é necessária cautela para não transformar objetivos em jargões marqueteiros que dificilmente serão atingidos. Reconhecer que a importância da pesquisa científica continua sendo responder às questões que desafiam o conhecimento existente e que os progressos vivenciados pela humanidade não teriam ocorrido se fossem orientados apenas por demandas do setor produtivo é o primeiro passo para uma modificação da lógica de financiamento.

Obviamente, o aumento crescente dos pedidos de patente demonstra que a transformação de novos e relevantes conhecimentos em possibilidades de aplicações práticas é possível e desejável. Para o setor empresarial, esse avanço tecnológico se traduz em ganhos de produtividade e competitividade. Entretanto, é preciso aceitar que essa transformação advém de uma base sólida de conhecimentos acumulados. Essa lógica foi apresentada pelos economistas Wesley Cohen e Daniel Levinthal, em 1990, mostrando que a capacidade de desenvolver produtos e processos inovadores depende do conjunto de conhecimentos prévios.

As inovações estão associadas às incertezas e aos riscos do pioneirismo e nem sempre serão demandadas pelo mercado. Mais importante que determinar se a pesquisa será útil para o avanço científico e tecnológico, ou para a mitigação de problemas sociais e econômicos, é certificar-se de que ela será útil na sua essência, ou seja, que resultará na refutação ou aceitação de novos pressupostos que fundamentarão os avanços.

O caminho para a inovação passa necessariamente pela descoberta de novos fundamentos, portanto é irrevogável o apoio à pesquisa, mesmo sem o vislumbre de sua imediata aplicação prática.

* Ester Gomide é analista da Embrapa Gado de Leite
* Evaldo Vilela é professor titular da Universidade Federal de Viçosa, presidente da Fapemig e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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