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Pode o capitalismo esverdear a si mesmo?

Por Ailton Dias dos Santos (*) | 29/06/2012 14:00

O tema central que dominou a conferência Rio+20, desde a sua preparação até sua finalização na última semana, foi a perspectiva de uma transição da economia global predatória dos recursos naturais para uma “economia verde”.

O termo parece vago e superficial mas a sua proposta de fundo é relativamente simples: o sistema econômico atual elevou sobremaneira os níveis de bem estar, riqueza, produção e consumo de uma vasta parcela da população do planeta. Obviamente existem muito efeitos colaterais, a exemplo da degradação ambiental em proporções nunca imaginadas.

Mas a crença predominante nos debates oficiais é de que é possível fazer ajustes no sistema, corrigir suas imperfeições e distorções por meio de investimentos e da adoção de parâmetros e critérios de sustentabilidade ambiental e social.

Isso implica em continuar produzindo e consumindo em escalas cada vez maiores, já que o modelo econômico vigente pressupõe o crescimento incessante e ininterrupto. Ao mesmo tempo, implica em adotar medidas de proteção ambiental em escala global.

Essa seria a mágica de uma economia verde. A tarefa dos formuladores – embaixadores, representantes de governos e de agências das Nações Unidas – seria de criar e implementar os mecanismos formais, os acordos multilaterais de escopo amplo e, principalmente, o arranjo financeiro rumo a esta nova economia.

No cômputo geral dos debates as questões que ficam são do tipo: quem paga a conta da transição rumo à economia verde? Que mecanismos e políticas vão permitir a compatibilização entre as metas de desenvolvimento dos países e a sustentabilidade ambiental? Como fica a questão da desigualdade?

Em meio ao calor dos debates os atores pareciam não notar uma ausência fundamental: a do grande capital. Afinal, o sistema econômico do qual tanto se fala é o capitalismo em sua fase mais avançada. Foi o avanço ininterrupto desse sistema que levou o mundo ao ponto em que está: à beira de um colapso ambiental e social.

Mas no momento de assumir compromissos com o futuro comum da humanidade são os Estados, e em última instância os governos, os entes chamados para debater e escrever um documento a título de protocolo de intenções.

O fiasco da Rio+20 mostra que governos e instituições multilaterais podem ser bons porta-vozes do capital, ou não. Isso depende da conveniência de parte a parte. Nesse caso, os governos não estavam em condições de assumir compromissos sérios em nome do grande capital.

Mas quem estaria em condições de faze-lo? Eis ai uma questão de fundo para se pensar o desafio da governança global numa conjuntura de crise ambiental, econômica e social.

Já na Cúpula dos Povos e nos demais eventos paralelos à Rio+20, se descortinou uma enorme variedade de experiências e de proposições alternativas ao colapso ambiental feitas a partir da sociedade civil. Elas tentaram imprimir suas preocupações e propostas no documento oficial ou pelo menos criar constrangimentos ao avanço da exploração capitalista em seus locais de origem.

São depositárias das esperanças em relação ao futuro comum. Mas, no contexto atual, a própria esperança parece ter se tornado uma mercadoria, instrumentalizada pelo capital sob o rótulo de economia verde.

Enquanto se desenrolavam os debates na Rio+20, nos campos de golfe do hemisfério norte os operadores das finanças globais e das grandes corporações transnacionais aproveitavam o verão tendo outras preocupações em mente.

O capitalismo é um sistema autoreferenciado, regido por suas próprias dinâmicas e necessidades. Um autômato global impenetrável às preocupações humanas. Querer esverdeá-lo, como querem os arautos da economia verde, é uma coisa. Se ele, o capitalismo, vai se esverdear a si mesmo é outra bem diferente.

Nesse quadro, é imperativo estabelecer linhas de comunicação com o grande capital e perguntar, afinal, o que ele pretende fazer de si mesmo. Seria uma maneira de não alimentar falsas ilusões em relação ao futuro e de encarar a crise planetária numa perspectiva mais realista.

Nessa lógica, o fracasso da conferência oficinal na Rio+20 também representa um convite para se repensar as estratégias do movimento socioambientalista e para se buscar novas formas de ativismo que sejam mais efetivas e transformadoras.

(*) Ailton Dias dos Santos é doutorando do Centro de Pesquisa e Pós Graduação sobre as Américas (CEPPAC), da Universidade de Brasília e gerente de Programa, do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). Possui Graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa e Mestrado em Extensão Rural pela mesma universidade.

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