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Poder Investigatório

Por Mauri Valentim Riciotti | 12/02/2013 10:56
Mauri Valentim Riciotti*

Quem pratica um ato ilícito pode infringir três esferas de responsabilidades: a penal, a civil e a administrativa. A primeira, se o fato constituir crime; a segunda, caso tenha que indenizar eventual dano; e a terceira, na hipótese do acusado ser servidor público, quando essa conduta caracterizar-se também ato de indisciplina administrativa. Alguns autores ainda incluem uma subdivisão: a eleitoral.

Todavia, em todas essas situações, antes da aplicação da sanção correspondente, há a necessidade da apuração dos fatos na sua integralidade. Depois de esclarecida a autoria e a materialidade, se restar evidente que o infrator feriu uma, duas, ou as três esferas de responsabilidades, necessariamente três processos serão instaurados, devidamente individualizados, cada um com seu objetivo específico, visando aplicar as punições cabíveis para cada uma das responsabilidades atingidas.

Ocorre que, ao se iniciar a investigação de um fato, nem sempre as informações preliminares são suficientes para apontar quais esferas de responsabilidades foram atingidas. É comum a Administração Pública instaurar uma sindicância em face de um suposto ato de indisciplina de um servidor e, ao final, concluir que tal conduta também se constitui crime. E se estiver perfeitamente esclarecido, o Ministério Público pode oferecer denúncia com as provas obtidas na própria sindicância, sem necessidade de inquérito policial.

De igual forma, o Banco Central, a Receita Federal e outros órgãos com poderes de fiscalização, ao investigarem fatos relacionados à sua esfera de competência, finalizando seus procedimentos internos, analisando todos os documentos juntados, mais as perícias, vistorias e outras provas colhidas, se concluírem que as condutas também constituem crimes, tais procedimentos podem ser remetidos diretamente ao Ministério Público. E, como consequência, um Promotor ou Procurador pode, diretamente, oferecer denúncia para iniciar o devido processo criminal, sem necessidade de instauração de inquérito policial.

É a mesma situação dos inquéritos civis instaurados pelo próprio Ministério Público, para apuração de atos lesivos ao meio ambiente, patrimônio público, consumidor, etc. Nesses casos, quase sempre investigações consistentes, em recorrentes hipóteses, o mesmo fato também se caracteriza crime, o que autoriza o próprio investigador – Promotor ou Procurador – a apresentar a denúncia, iniciando, assim, o processo penal correspondente perante o Poder Judiciário.

Até uma empresa privada – desde que não pratique atos coercitivos - ao investigar o desvio de material, por exemplo, se ultimar seu procedimento interno apontando com clareza a autoria e a materialidade dos fatos, poderá encaminhar diretamente ao Ministério Público essa documentação que, depois de analisada e conferida, se restarem pelo menos indícios robustos da prática de crime, com a identificação dos autores, sem inquérito policial, poderá subsidiar eventual denúncia perante o Poder Judiciário, visando à instauração de processo criminal.

Como se vê, o poder de investigação é inerente à Administração Pública como um todo, bem como à própria sociedade – empresas, ONGs, etc – constituindo instrumento legítimo colocado à disposição do poder público em geral e da sociedade, cujo único objetivo é elucidar a prática de atos ilícitos, visando, depois do processo competente, a punição dos responsáveis por infringirem dispositivos legais. E a instrumentalização desse procedimento deve ser mais aberta possível – sem formas rígidas – bastando o atendimento a princípios constitucionais que preservem, antes de tudo, o interesse público e, em segundo plano, os interesses individuais dos investigados.

À Polícia sempre caberá, prioritariamente, a apuração dos “crimes de sangue”, bem como aqueles praticados com emprego de violência, ou ainda quando envolver bandos armados. Ela é preparada para isso, acima de tudo. E tem demonstrado – quando há estrutura – o desempenho necessário. Todavia, não se pode negar sua dificuldade em elucidar casos que envolvem pessoas detentoras de poder político ou econômico. Sua absoluta vinculação hierárquica ao Poder Executivo – o que a história tem demonstrado – a imobiliza, mormente as Forças Estaduais.

Portanto, nessa quadra que passa o país, com o avanço vertiginoso do crime organizado, é um contrassenso discutir a redução da capacidade do Estado no seu poder de investigação criminal, entregando-o tão somente às polícias. O momento é de reunir forças, estabelecer parcerias, trocar experiências, trabalhar em conjunto, em suma: organizar-se! Afinal, eles – os bandidos – já o fizeram, com muita competência.

*Mauri Valentim Riciotti, Graduado pela PUC Campinas, Pós Graduado pela Universida Estácio de Sá em Direito do Estado. Foi Defensor Público em MS, é Promotor de Justiça desde 1986 e é Procurador de Justiça desde 1996. Foi Procurador-Geral de Justiça Adjunto. É membro do Conselho Superior do MPE e Coordenador das Promotorias de Justiça da Cidadania e Direitos Humanos. Foi também professor universitário por 14 anos. mauri_riciotti@mp.ms.gov.br

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