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Qual o pecado da carne?

Por Pedro Pedrossian Neto | 04/04/2014 15:28

O Brasil assistiu, desde 2005, uma mudança substancial no tratamento das questões sanitárias relativas à criação de gado de corte. Com o surgimento do foco de febre aftosa na fronteira do MS, o mundo fechou-se para nossas exportações, deflagrando uma crise sem precedentes na economia do Estado. O combate a esta doença, antes vista por outras administrações como um problema menor – pois em geral não mata o animal, apenas o emagrece, e tampouco se transmite ao ser humano –, passou a ser a prioridade máxima da política sanitária. Em resposta, arregaçamos as mangas, investimos em tecnologia, controle e vigilância, e hoje o MS dispõe de um sistema elogiado por especialistas e reconhecido por instituições internacionais, como a Organização Mundial para Sanidade Animal – OIE.

A mácula da reputação, no entanto, ainda nos persegue e assombra. Apesar de vender carne bovina para mais de 150 países, diversos mercados importantes ainda se encontram fechados para o Brasil e para o MS. Este é o caso, por exemplo, dos Estados Unidos, da China, do Japão, da Coréia do Sul e da Indonésia. Juntos, estes cinco países somam uma população de aproximadamente 2 bilhões de pessoas, ou seja, quase 1/3 do planeta. Considerando o consumo per capita médio de carne bovina de cada país, estima-se que tais países consumam todo ano cerca de 20,7 milhões de toneladas de carne – o que equivale a 69 milhões de animais (cerca de 3 vezes o rebanho do MS).

Fazendo as contas, se o Brasil alcançasse modestos 10% destes mercados – o que não é impossível, já que nosso preço é competitivo –, as exportações brasileiras cresceriam nada menos do que US$ 9 bilhões – um salto de 136%. Para se ter uma ideia, nos EUA o preço médio da carne é de US$ 7,00 por quilo, enquanto o preço médio da carne exportada pelo Brasil é 40% menor. Não é difícil, portanto, supor que tomaríamos boa parte deste valioso mercado se houvesse abertura. Para o MS, que exporta cerca de 23% do total brasileiro, haveria um incremento nas exportações anuais de US$ 2,1 bilhões, isto é, um ganho de quase 10% do PIB estadual.

Mas essa é uma visão estática. Se projetarmos o crescimento ao longo do tempo os números são ainda mais impressionantes. O chinês ingere, em média, 7,5 quilos de carne bovina por ano. É muito pouco comparado ao padrão brasileiro, de 37 quilos, e estima-se que chegue a 10 em menos de uma década devido ao acelerado crescimento da renda. Pela escassez de terras, provavelmente a maior parte desta demanda terá que vir de importações e, se 50% deste adicional de 2,5 quilos vier do Brasil, aumentaríamos nossas vendas em US$ 5,8 bilhões, ou seja, quase dobraríamos a exportação só com a China.

Há uma semana, a propósito de abrir o mercado asiático para as exportações de carne do MS, estivemos em Brasília com o embaixador de um importante país da região – um senhor simpático que, não obstante nos receber bem, foi pouco solícito em atender a nossa causa. Disse, com sua lábia diplomática: “para abrir uma porta, é preciso bater; continue batendo...”. Saí da reunião convicto de que devemos bater mais vezes e mais forte – e, se necessário for, usar um pé-de-cabra para desemperrá-la.

Como justificativa para restringir o comércio, estes países alegam que o Brasil é livre da febre aftosa apenas por intermédio da vacinação, muito embora não existam indícios científicos que sustentem o perigo de ingestão de carne proveniente de animais vacinados. Não consta que os membros das embaixadas destes países evitem nossas churrascarias com medo da procedência da carne. Trata-se, em português claro, de puro e simples protecionismo: usar uma barreira sanitária – ainda que tecnicamente insustentável – para favorecer a defesa do mercado local, violando as regras da Organização Mundial do Comércio.

Outra regra internacional de comércio desrespeitada por estes países é o chamado “princípio da regionalização”, que é garantido pelos tratados internacionais de comércio. Vejam a distorção: quando, por exemplo, ocorre um problema sanitário na Bélgica, as exportações da Alemanha continuam em vigor – pois obviamente são países diferentes, muito embora fronteiriços; entretanto, quando há um problema isolado no Paraná, fecham-se as exportações do MS e de todos os Estados brasileiros, mesmo que estes estejam muitas vezes a milhares de quilômetros de distância. Ora, o Brasil é um país continental dentro do qual cabe toda a Europa, mas a má vontade, cara ao protecionismo, reluta em enxergar a realidade sanitária particular a cada região nacional.

Talvez tenha chegado o momento de fazermos –produtores, indústria frigorífica, especialistas, governos estadual e federal – uma discussão mais ampla sobre a estratégia de acesso a estes mercados. O descumprimento das regras internacionais de comércio, por parte de alguns países, impõe ao Brasil e ao MS uma injusta barreira ao desenvolvimento. No passado, o Itamaraty logrou êxito ao levar ao órgão de solução de controvérsias da OMC os casos do algodão, do frango, do suco de laranja, entre outros. Quem sabe não seja o momento de endurecer o jogo e comprar a briga pela abertura do mercado mundial de carne bovina?

(*) Pedro Pedrossian Neto, 32, economista, é mestre e professor de Economia Política pela PUC-SP e superintendente de indústria da Seprotur de MS.

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