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Quem nega o homossexual nega a si próprio

Por Edson Moraes (*) | 01/07/2011 06:02

O título deste artigo é uma frase que proferi enquanto conversava com dois amigos que queriam saber minha opinião sobre as polêmicas manifestações de rua realizadas no Brasil este mês. A primeira, no dia 18, batizada de Marcha da Maconha, liberada pelo STF para ser um ato pelas liberdades e contra todo tipo de discriminação. A segunda no dia 26, a 18ª Parada Gay, em São Paulo, uma das maiores do gênero no planeta.

A curiosidade dos meus dois amigos sobre minha opinião repousa num detalhe: o de eu ser evangélico, membro de ministério pentecostal, convertido do catolicismo faz pouco mais de três anos. A resposta que dei aos dois curiosos é a mesma que todo dia me reacende na consciência, no coração e na alma a determinação de buscar o máximo de comprometimento com o Deus em quem acredito. O Deus único, que não é só meu, é o criador de todas as criaturas e quem nos ensinou a amá-lo sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.

Quando respondi ser favorável às duas manifestações, meus amigos pensaram me acuar contra o paredão, questionando minha fidelidade às Escrituras, nas quais está expressa a condenação ao pecado. E foram incisivos, sugerindo estranheza sobre que tipo de evangélico seria eu por apoiar a maconha e defender o homossexualismo.

Não fiquei na parede, nem me sentiria acuado. Primeiro, porque antes de ser evangélico, sou cristão. Poderia aqui equipar-me com um versículo bíblico, mas recorro a Santo Agostinho, um símbolo do catolicismo, para descomprimir meu argumento. É do celebrado bispo de Hipona – ou a ele atribuída – a frase "odeie o pecado, ame o pecador". Considero tão definitivo que a meu ver este pensamento pode ser o liame entre todas as vertentes do cristianismo, desde que algumas, evidentemente, se proponham a permeabilizar sua couraça fundamentalista.

Sim, disse a meus dois amigos: não só eu, mas todos os democratas e todos os cristãos deveriam dar apoio às manifestações de homossexuais e dos que postulam a descriminalização da maconha. O democrata segue o livro da Constituição e esta dá amparo à perfeita forma jurídica do instituto conceitual de que a lei é igual para todos, sempre, não casuisticamente. O cristão acompanha a sentença de Deus que está em relevo em todos os livros da Bíblia, tanto a traduzida para os católicos quanto a traduzida para os evangélicos: amai o próximo como a ti mesmo.

Ora, o que chamamos de democracia é o núcleo de um dom que veio por obra de Deus no início dos tempos e serviu de dote mais precioso ao Homem: a liberdade. Nela, o indivíduo pode conhecer e reconhecer o que quer de sua vida. Está contemplado pelo livre arbítrio, concedido por Deus. E humano algum revoga essa lei. Compete ao Homem, se cristão, denunciar o pecado e lutar contra ele, mas sem contribuir com a sanha de uma sociedade hipócrita que tenta submeter homossexuais, negros, índios, imigrantes, mulheres e deficientes à chibata do preconceito, do estigma, da intolerância.

Entendo, assim, que está consagrado nas Escrituras e nos estatutos jurídicos e constitucionais dos povos livres o direito de todas as pessoas de dizer o que querem e o que pensam. Se querem ser racistas, que assumam esse querer. O querer é sentimento espontâneo e precisa ser respeitado. Mas entre ser racista e praticar a discriminação há diferenças, há limites por lei estabelecidos. Nada impede o dono de uma empresa de não gostar de negros. Ele é livre para pensar assim e essa liberdade, por mais que incomode, deve ser respeitada, mas nunca utilizada para, por exemplo, proibir ou dificultar o acesso de negros à empresa. É crime, previsto em lei.

A vontade e o direito da pessoa de unir-se a outra do mesmo sexo é decisão de foro individual e tem resguardo da lei em diversos países. Só há proibições jurídicas em países ou comunidades cujos governos guiam-se por preceitos religiosos. E cada religião tem procedimentos específicos para tratar da homoafetividade. Todas, porém, deveriam curvar-se aos direitos civis e entender que isto não é sacrilégio, nem violação do compromisso com Deus. É o contrário. Além disso, vigora para cada vivente o instituto divino do livre arbítrio. E é o mesmo critério de escolha que garante a livre expressão de pessoas que acreditam nos benefícios da descriminalização da maconha ou no uso dela. Antes que se armem as aljavas com o inquirir sobre a apologia às drogas, prefiro entronizar a apologia à livre manifestação e à livre escolha como direitos inalienáveis de cada um e cada uma.

Assim como aqueles que desfraldam a bandeira da descriminalização da maconha, os homossexuais, negros, índios, mulheres, brancos, amarelos, imigrantes, todos são seres humanos, vivem do mesmo oxigênio, são regidos pelas mesmas leis, têm iguais deveres e direitos, mas não gozam das mesmas oportunidades. É o direito deles à manifestação do que pensam, do que defendem e do que vivem que eu defendo, sem que isso signifique defender o que pensam, defendem e vivem todos.

Na Parada Gay, havia pessoas simplesmente gritando para defender o direito de ser o que querem. E havia pessoas urinando nas calçadas, usando drogas, ingerindo bebida alcoólica. Nem por causa disso aquelas devem ser confundidas com estas. A sociedade das pessoas livres é a sociedade da coexistência pacífica, sem máscaras, limitada pela ordem jurídica. Contudo, a hipocrisia e o falso moralismo causam mais danos aos valores cristãos e éticos de uma sociedade cada vez mais deteriorada pela volúpia consumista do TER.

(*) Edson Moraes é jornalista.

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