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Representação política na democracia brasileira contemporânea

Por Eurico Antônio Gonzales Cursino dos Santos (*) | 24/06/2011 07:05

Nosso país debate hoje a crise de sua representação política. Muito são os diagnósticos, outras tantas as propostas de solução, mas o fato sobre o qual todos estão de acordo é o do distanciamento entre o eleitor e os seus representantes. Como reaproximá-los? A melhor solução, a meu ver, é partir da constatação de que nossas habilidades como eleitores estão sendo mal preparadas. Nosso treinamento para a democracia poderia, e deveria, ser muito melhor. Mas como?

A democracia, diferentemente da aristocracia (governo dos nobres) ou da hierocracia (governo dos religiosos), não pode ser aprendida com o estudo de doutrinas e o treinamento nos bancos escolares. Ela não é teórica. A democracia só pode ser aprendida na prática. Mas o voto que elege representantes (hoje sentido pela maioria dos eleitores como a emissão de um cheque em branco) não precisa ser a única prática democrática capaz de ensinar os brasileiros a guiar-se pelos meandros da democracia. Não.

O eleitor pode, e deve, ser chamado de modo regular (ou vai-se à escola apenas esporadicamente?) para decidir diretamente sobre questões públicas diversas (não apenas as muito decisivas e relevantes), de modo a sentir, na prática, o peso da responsabilidade das decisões de interesse público. Tal prática, e apenas ela, pode gerar o cidadão realmente competente, que sabe, por experiência própria, a dificuldade de produzir boas decisões e percebe, pela força da necessidade, que só bem formado e informado pode tomar decisões boas para si e para os outros. Note-se que a exclusividade da representação desonera o cidadão de aprender com a força da necessidade. Mau método...

É nesse sentido que argumento pelo uso mais freqüente, e, principalmente, sistemático, de institutos como o plebiscito e, com ainda melhor razão, o referendo.

Como é sabido, no plebiscito o eleitorado pronuncia-se antes da feitura, pelos representantes, da lei em questão. Não se foge muito da lógica do cheque em branco, embora haja um envolvimento mais sério e real com o processo. Mas no referendo o eleitor acompanha, via imprensa, toda a discussão, realizada por seus representantes, acerca do tema, mas quem decide, afinal, é ele. Ele não é mero espectador do debate, mas seu fiador último e, assim, interessado nele de outra maneira, muito mais consistente e densa.

Do mesmo modo, os debates, e a cobertura de imprensa, mudam de natureza. Os debates entre os representantes têm de ganhar outro padrão de clareza quanto aos fins e aos meios que se pretende utilizar, e a cobertura da imprensa deixa de ser a mera produção de notícias para transformar-se no veículo do debate entre os tomadores de decisões. De notícias vagas, para eleitores vagamente interessados, passa-se à imprescindível veiculação de subsídios para quem vai precisar acertar em sua decisão.

Mas, de qualquer forma, seja pela via do plebiscito, seja pela do referendo, a idéia que eu gostaria de defender aqui é a da necessidade de que nosso sistema democrático combine as práticas da representação política com as da participação política direta. A representação é imprescindível, pois os cidadãos precisam trabalhar e precisam de representantes que estudem os temas em profundidade, inclusive com o auxilio de especialistas. Mas é igualmente importante a prática da participação política direta, que envolve eleitores e representantes sob o mesmo status: o de tomadores de decisões públicas.

Deve-se notar que o que se propõe é, simultaneamente, um novo método para compor a totalidade das decisões políticas e uma pedagogia da democracia, desembocando ambos em um salto de qualidade na legitimidade de nossa sociedade política.

No mundo todo, cresce sem parar, desde os anos 1980, o uso de plebiscitos e referendos como instrumentos regulares dos processos políticos. E isso não precisa ser apenas no plano federal, mas pode ocorrer no plano estadual e, principalmente, no municipal. Não devemos procurar “escapar” à participação popular mais substantiva em nossos processos decisórios. Essa é uma maré montante e por sinal muito bem-vinda.

Estamos em um bom momento para discutir um desenho institucional que reúna eleitores e representantes em uma divisão do trabalho político, atribuindo a cada um funções mais aperfeiçoadas e que garantam não apenas boas decisões, mas decisões progressivamente melhores (a escola da democracia é a prática, e não é para aprimorar as capacidades das pessoas que servem as escolas?) e que gozem de um novo tipo de legitimidade, contemporâneo e voltado para o futuro.

(*) Eurico Antônio Gonzales Cursino dos Santos é professor do Departamento de Sociologia, da Universidade de Brasília e consultor legislativo (licenciado) do Senado Federal para a área de sistemas políticos e direitos da cidadania.

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