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Roubos e furtos de veículos no Brasil

Por Luiz Flávio Gomes (*) | 07/01/2015 13:28

Entre 229 mil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública - ano 2013) e meio milhão de veículos (ver Antonio Penteado Mendonça, Estadão 20/1/14) são furtados ou roubados por ano no Brasil. Outros países já contaram com números expressivos, bastante parecidos. Grã-Bretanha, por exemplo (consoante informação do articulista citado), que já reduziu sensivelmente seus escandalosos números. É baixa, hoje, a taxa de criminalidade nesse país (como em praticamente toda a Europa, que viveu a fase áurea do estado de bem-estar social nas décadas de 60/80).

O que foi feito? Mais do que boas intenções. Criaram-se eficazes programas de treinamento, inteligência, prevenção, investigação e atuação rápida das forças policiais. Ou seja: incrementou-se a certeza do castigo mais justo possível (antecedido da localização e apreensão de uma enorme quantidade de veículo furtado ou roubado). Serviço público de qualidade (caro, mas de qualidade). Isso não existe no setor público brasileiro, ressalvadas pouquíssimas áreas (vacinação, por exemplo).

Eis uma área (localização e apreensão de roubo e furtos de veículos) que talvez fosse o caso de se privatizar. Articulando-se um grande programa de Parceria Público-Privada (sobretudo com as seguradoras). O que o legislador brasileiro tem feito (também) nesse setor da criminalidade? Edição de novas leis penais mais duras ou obstaculizadoras. É o que ele pode fazer (diante de sua incapacidade para resolver problemas sociais).

Não podendo cuidar da certeza do castigo mais justo possível (que é um princípio de solução), o legislador atende os reclamos da população que demanda em todo momento mais aumento da pena. Em 1996, pela Lei 9.426, foi criado um novo parágrafo no art. 155 do CP (§ 5º), com a seguinte redação: "A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior". O governo do Estado de São Paulo promulgou uma lei que regulamenta a operação dos desmanches de veículos. Nenhuma delas mudou a realidade brutalmente criminógena. Aliás, nenhuma lei faz isso, enquanto não dotada da certeza da sua aplicação (da forma mais justa possível). Em matéria de prevenção da criminalidade sempre estamos no caminho errado.

O Estado brasileiro (pluto-clepto-genocidiocrata) não foi desenhado para a prevenção de crimes. E quem faz o errado o tempo todo não pode esperar que um dia dê certo.

Nem todos os veículos são levados para o desmanche. Que atende a reposição de peças dos carros mais velhos. Quem tem carros mais novos (garantia de até três anos, normalmente) sempre vai preferir a reposição com peças originais. Poucos carros são recuperados no nosso país. Quando recuperados, muitos são depenados nas próprias dependências estatais (expressão da cleptocracia, que significa o Estado cogovernado por ladrões). Por detrás dos furtos e roubos de veículos existem muitos crimes organizados.

Vários deles com a participação de agentes de segurança. À malícia e ganância dos criminosos, soma-se a desonestidade do servidor público. Um livro do século XVII (A arte de furtar) já dizia que os piores e grandes ladrões são os servidores encarregados de nos livrar dos pequenos ladrões. Muitos veículos são adulterados e revendidos no mercado interno. Grande quantidade deles vai para o exterior (lá são vendidos ou trocados por drogas ou armas). As fronteiras são transpostas com a mesma facilidade com que se rouba ou furta. Muitos agentes públicos também participam dessa operação criminosa (todos enlaçados por grandes organizações criminosas).

O Estado brasileiro fracassou na sua tarefa de fazer imperar a lei (assim como o constitucionalismo de direitos e deveres). As leis editadas não são acompanhadas de efetiva fiscalização. As leis não mudam a realidade quando não são fiscalizadas e aplicadas. Os números indicam o aumento constante dos roubos e furtos de veículos. Não existe coordenação das ações de enfrentamento do crime. Não há unificação de planejamento. São muitas as polícias e pouca política de integração. Pensar que essa forma de atuação possa dar resultados positivos é uma ilusão. As leis só configuram obstáculo sério quando imperam. Lei que não impera tem a mesma esterilidade de um monge virtuoso.

A criminalidade no Brasil tende a aumentar severamente porque não fazemos as coisas certas. Beccaria já alertava sobre isso em 1764 (Dos delitos e das penas). Propunha duas coisas: (a) certeza do castigo, ainda que moderado e (b) reformas socioeconômicas e educativas. Quem pega o bonde errado, mesmo que veloz, jamais atingirá o destino pretendido.

(*) Luiz Flávio Gomes, jurista e professor

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