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Ruy Martins Altenfelder Silva (*) | 27/08/2013 14:07

Ao abrir a 41ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), a presidente Dilma Rousseff reconheceu que o norte da voz do governo era diferente do norte das vozes das ruas, que ecoaram em todo o País nas recentes manifestações defendendo valores públicos, ética e maior representatividade. Considerou, ainda, ser dever do governo traduzir as demandas em ações práticas e, para isso, apresentou a proposta de cinco novos pactos: estabilidade fiscal, mobilidade urbana, educação, saúde e reforma política.

Apesar da louvável postura democrática de acatar as reivindicações da sociedade, não se pode ignorar que os cinco pactos se referem a graves questões que há décadas persistem como entraves ao desenvolvimento social e econômico do Brasil. Houve, é verdade, avanços, mas não foram suficientes para erradicar os problemas ou para satisfazer as novas aspirações que surgiram com a recente ascensão das classes C, D e E, decorrentes dos programas assistenciais do governo e dos ganhos salariais acima da inflação.

É da natureza humana querer mais quanto mais se tem. Essa pode ser uma – mas não a única – motivação para os protestos, que contaram com a presença maciça das classes sociais emergentes. Outra reside na ausência ou na baixa prioridade a políticas públicas voltadas para, pelo menos, minorar antigas distorções, carências e gargalos ao desenvolvimento. Na questão das finanças públicas, por exemplo, apenas medidas pontuais e temporárias são tomadas para aliviar a pesada carga tributária. Também só após as manifestações, o Legislativo avançou na aprovação de leis mais severas para coibir a corrupção. Mas ainda há muito a fazer, a começar pelo melhor uso do dinheiro público, além do respeito ao salutar princípio enfatizado pela presidente na reunião do CDES: o governo só pode gastar os recursos de que dispõe, de forma a não comprometer o equilíbrio fiscal e o controle da inflação.

Na educação, é elogiável a universalização das matrículas no ensino fundamental, o ProUni e até as polêmicas cotas para ingresso na universidade, entre outras medidas. Mas como não se preocupar com o fato resumido a seguir com base no Censo Escolar e na Prova ABC, e que ressalta mais uma vez a necessidade de se atacar a questão do ensino com total prioridade. Dos quase 1,6 milhão dos alunos do ensino básico que abandonaram a escola em 2012, mais de 1,5 milhão cursava a rede pública, tanto no nível fundamental (762 mil) quanto no médio (760 mil). Entre os que permaneceram, sete em cada dez chegaram ao terceiro ano do ciclo fundamental sem a adequada habilidade em escrita e matemática, e mais da metade tem deficiência em leitura. Com um agravante: nesse último caso, não se trata de letramento ou alfabetização, mas sim de falta de autonomia para continuar os estudos e até mesmo para prosperar numa futura profissão.

Uma política pública para a qualidade da educação não partiria do zero, e isso ocorreria não apenas na área pública. A sociedade civil, reunida no terceiro setor, vem se mobilizando há tempos para atenuar a questão em suas várias facetas. O Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) ilustra o valor dessa contribuição, ao promover estágios e aprendizagem, modalidades de formação que complementam a teoria com a prática profissional (requisito valorizadíssimo em processos seletivos para emprego ou no sucesso de negócio próprio), ao mesmo tempo em que garantem uma remuneração mensal, na forma de bolsa-auxílio para estagiários ou salário para aprendizes. Com essa renda, o jovem pode custear seus estudos e até mesmo auxiliar no orçamento familiar, o que reduz a evasão escolar, pois fica desobrigado de deixar a escola e aceitar trabalhos informais, geralmente mal remunerados, sem perspectiva de futuro e à margem das leis garantidoras de direitos.

Ao comemorar os dez anos do CDES, que é um órgão consultivo da Presidência da República composto de representantes da sociedade civil, a 41ª reunião serviu também para abrir uma rica linha de reflexão. Primeiro, o eco das vozes das ruas referendou análises e reivindicações que muitos de seus integrantes já defendiam. Segundo, valeu por um alerta aos dirigentes e líderes dos Poderes Públicos e setores importantes da sociedade. Já é tempo de se administrar as políticas públicas com o olhar voltado não para o passado e nem mesmo só para o presente. É preciso mirar o futuro, antecipando soluções para as demandas que, certamente, continuarão a vir pelos diversos canais de comunicação da sociedade. Pois, quem ficar atento poderá perceber os rumores de insatisfação antes que se transformem em gritos das ruas.

(*) Ruy Martins Altenfelder Silva é membro do CDES e presidente do CIEE e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).

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