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Sidacult e o cultivo humano

Por Bruno Peron Loureiro* | 08/01/2012 11:09

A epidemia de VIH (Vírus de Imunodeficiência Humana) estourou no início dos anos 1980 e, segundo dados da UNAIDS (programa das Nações Unidas sobre a "imunodeficiência adquirida", do inglês), 34 milhões de pessoas encerraram 2010 com o vírus no sangue.

Neste cenário ainda pouco promissor sobre o fim de disseminação da doença no mundo, surgiu o projeto Rede Regional SIDACULT, uma iniciativa do setor cultural do escritório da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura) em La Habana, Cuba. O projeto organiza pesquisas culturais e sociais sobre a epidemia de VIH/SIDA nos planos nacional e de outros países caribenhos.

A SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) inquieta os cientistas desde os primeiros diagnósticos em torno de trinta anos atrás devido ao desafio da descoberta da cura e os avanços medicinais que resultariam desta façanha.

Milhões de portadores do vírus ainda não sabem que o são e que qualquer enfermidade leve pode matá-los sem o recurso ao coquetel anti-retroviral, embora o acesso aos medicamentos tenha avançado para a universalização.

Os vírus exercem fascínio na microbiologia devido à falta de consenso sobre se são ou não formas de vida, visto que se constituem basicamente de uma cápsula proteica e material genético (ADN ou ARN), ou seja, são menos complexos que uma célula.

A despeito da controvérsia sobre seu estado biológico, o VIH tem provocado inúmeras dificuldades em profilaxia e tratamento da doença e o tema SIDA volta periodicamente a compor as pautas de debate entre gestores de saúde, educação, planejamento, sociedade e, ultimamente, cultura.

O projeto Rede Cultural SIDACULT dispõe de propostas artísticas e de promoção cultural para prevenção e tratamento de VIH/SIDA através de um espaço de diálogo e intercâmbio de experiências e informações. Sua proposta implica uma via solidária para desenvolver medidas preventivas e inclusivas a partir dos efeitos do vírus.

Profissionais de áreas distintas unem-se para lutar contra a epidemia desde contextos particulares de suas comunidades, regiões e países de origem. O projeto com escritório em Cuba possui cinco áreas temáticas: Arte, Comunicação, Educação, Ciências Sociais, Ciências Naturais. Há orientações a jornalistas interessados na proposta sobre como lidar com o tema na imprensa e redatar reportagens educativas e colaborativas.

A Rede Regional SIDACULT define-se como um "grupo associativo e não lucrativo" que se dedica a "oferecer uma resposta multidisciplinar" ao desafio que a epidemia de VIH/SIDA lançou aos cientistas, os portadores do vírus e os profissionais envolvidos. O que mais chama atenção neste projeto é o enfoque cultural sobre um tema que se limitava à esfera sanitária.

A instalação do SIDACULT em Cuba, portanto, tomou em consideração os estudos da UNAIDS, que indicaram o Caribe como um dos principais focos epidêmicos de VIH no mundo, a tendência profilática da medicina cubana, que investe em medidas educativas, e a disposição solidária e aberta ao diálogo que é inerente aos profissionais caribenhos. A mesma agência das Nações Unidas divulgou que o Caribe é a segunda região mais afetada (240 mil portadores do vírus) depois da África Subsaariana. Outra informação é de que havia, em 2010, quase dois milhões de soropositivos na América Latina e no Caribe e o Haiti possui a maior proporção de infectados com 2,2% da população.

A autonomia relativa que a "cultura" conquistou no meio acadêmico-profissional não anula o elo estratégico que os gestores culturais estabelecem com outros campos do conhecimento e de atuação profissional, como a saúde. A multidisciplinaridade oferece soluções mais fecundas para alguns problemas da humanidade do que as propostas que se discutem com ferramentas de uma única disciplina. Não se trata de prescindir completamente de uma ou de outra senão combinar o que cada uma tem para oferecer.

Milhões de portadores de VIH revigoram-se com a fruição da arte e a criatividade, quando não são agentes criadores das mesmas. Noutras palavras, estas pessoas recebem alento para frear a ação do vírus através do "cultivo" humano quando se imaginava que o diagnóstico meramente sanitário lhes tiraria todas as esperanças e lhes fadaria a um destino lúgubre.

Da prevenção ao tratamento, o HIV/SIDA é um tema que nos estimula à prudência, de um lado, e à solidariedade, de outro. Não há como obviar a questão como se ela fosse irrelevante. Tampouco se propõe uma solução sem considerar o papel fértil da cultura.

(*) Bruno Peron Loureiro é articulista

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