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Sim, a crise também é econômica

Por Jorge Arbache (*) | 17/03/2015 15:35

Que o Brasil está passando por uma grave crise, disso poucos duvidam. As discordâncias começam quando procuramos entender a sua natureza. Para muitos políticos e analistas, a crise é, sobretudo, política. De uma forma tácita ou expressa, a economia requer mais ajustes que reformas para voltar aos trilhos e recuperar a confiança dos investidores, minimizam eles.

Esta percepção de que os nossos problemas econômicos seriam pontuais e passageiros parece ter sido influenciada pelas condições econômicas e sociais de anos recentes. De fato, a década de 2000 foi abundante de boas notícias externas - os preços das commodities dispararam, aumentou significativamente o nosso acesso ao mercado de crédito internacional e recebemos muito mais investimentos estrangeiros diretos. No plano interno, introduziram-se políticas de aumento do salário mínimo real, de ampliação dos programas sociais e de expansão do crédito interno e dos gastos públicos.

No topo daquele ambiente econômico foram acrescentados os impactos da maturação da transformação demográfica no mercado de trabalho pelas vias da rápida desaceleração da taxa de crescimento da população em idade ativa.

O Brasil terá que levar adiante uma vigorosa agenda de reformas, inclusive em campos bastante sensíveis.

Juntas, aquela conjunção de fatores - choques externos favoráveis, políticas públicas expansionistas e mudança demográfica - promoveu a valorização cambial, impulsionou o mercado interno e aumentou o emprego e a renda do trabalho, com grandes impactos na pobreza e na desigualdade. Ao final, havia no ar uma sensação generalizada de enriquecimento e fartura. Muitos analistas, do Brasil e do exterior, concluíram, precipitadamente, que havia chegado a nossa hora. O bom humor era tanto que até nos alçaram à condição de modelo internacional de crescimento sustentado.

Infelizmente, hoje sabemos que aquelas circunstâncias nos levaram a um entorpecimento coletivo que nos tornou menos críticos a políticas populistas e mais tolerantes e inclinados à procrastinação de reformas que, como já se sabia, eram necessárias. Afinal, se tudo parecia ir bem, mudar o quê e para quê?

A sustentabilidade daquele modelo de crescimento econômico viria a ser testada com o estouro da crise financeira internacional em 2008. Mas a pronta implementação de ambiciosas políticas públicas contracíclicas combinada com a continuação da tendência de queda da taxa de desemprego associada, sobretudo, à demografia, nos levou novamente a um entorpecimento coletivo. O aumento de 7,5% do PIB em 2010, num momento em que a economia mundial contraía, foi a cereja do bolo para consolidar a percepção exageradamente otimista das condições da economia.

Mas, como era de se esperar, cedo ou tarde a novela de acelerações e colapsos que tanto caracterizam o nosso crescimento de longo prazo viria a se repetir. No quadriênio 2011-2014, a economia desacelerou abruptamente e a renda real per capita cresceu modestos 0,5% ao ano. Ao que parece, a economia seguirá desacelerando e, muito provavelmente, experimentará mais anos de estagnação e, até, de queda da renda real per capita.

Seriam os nossos problemas econômicos atuais resultado da conjuntura política, das políticas públicas equivocadas e da miopia dos últimos governos? Não restam dúvidas de que sim, mas não somente. Afinal, há evidências de que, muito além de problemas pontuais, internos e externos, a estagnação também seria sintoma da queda da capacidade da economia brasileira de crescer.

De fato, análise mais cuidadosa revela fortes constrangimentos estruturais ao crescimento, sendo o primeiro, e talvez o mais grave, a rápida mudança demográfica. Esta, combinada com a baixíssima e estagnada produtividade do trabalho e com a crescente pressão fiscal decorrente do aumento dos gastos com a previdência e com a saúde terão profundo impacto negativo na dinâmica do crescimento.

Segundo, o baixo estoque de capital por trabalhador, a infraestrutura deficiente e o acanhado desenvolvimento e utilização de tecnologias e inovações numa economia integrada à economia global já limitam, mas limitarão ainda mais, os resultados dos nossos esforços em favor da prosperidade.

Terceiro, o agigantado setor de serviços, no qual predominam atividades de baixo valor adicionado e produtividade, compromete a produtividade sistêmica e, especialmente, a competitividade internacional dos setores que mais se utilizam de serviços enquanto insumos produtivos, como é o caso da indústria manufatureira.

Quarto, a desindustrialização precoce e a reprimarização da economia inibem a participação do país nas cadeias globais de valor e os incentivos em favor do desenvolvimento tecnológico e da produtividade.

Por fim, o crescimento da competição internacional por um lugar ao sol, a falácia da composição e a nova governança global, que limita o emprego de políticas convencionais de desenvolvimento, também estão aumentando os nossos desafios.

Assim, parece improvável que a eventual melhoria do quadro político venha a ser suficiente para alterar de forma significativa as perspectivas do crescimento.

A realidade já está se impondo e há cada vez menos espaço para mais procrastinação. Daqui para frente, se quiser crescer, o Brasil terá que levar adiante uma vigorosa agenda de reformas, inclusive em campos politicamente sensíveis, como o tributário, o trabalhista, o previdenciário e, acima de tudo, o da modernização do Estado.

A escolha ainda pendente a esta altura é a de quem pagará a conta.

(*) Jorge Saba Arbache Filho é professor do Departamanto de Economia, da Universidade de Brasília.

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