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Tolerância e protagonismo

Por Rogério Melzi (*) | 17/04/2016 10:18

Como podemos ou devemos agir diante da situação política e dos desdobramentos da votação do impeachment para o nosso Brasil? Saliento que estou escrevendo esse texto na 5ª feira, três dias antes da votação do impeachment no Congresso. Portanto, minha intenção aqui não é declarar opinião, tampouco prestar um papel que não é meu, mas, sim, de analistas políticos e econômicos, antropólogos, sociólogos etc. Escrevo sob o meu ponto de vista como indivíduo, brasileiro, cidadão e presidente de uma instituição de educação da qual muito me orgulho.

Quero tratar aqui de dois temas definitivos neste momento: a tolerância e o protagonismo. O primeiro diz respeito ao ato de entender o outro, compreender as diferenças e aceitar que os demais seres humanos não necessariamente vão pensar igual a mim em todas as questões. Cada um de nós aprendeu isso de algum modo (lembrem-se que educação vem do exemplo, começando pelo que aprendemos, ainda crianças). No meu caso, eu me lembro da minha mãe repetindo duzentas vezes por dia que “a nossa liberdade termina onde começa a do outro...”

O exercício da tolerância já começa nos nossos próprios pensamentos, pois eu reconheço que se pensar continuamente de modo intolerante, um dia me tornarei uma pessoa intolerante e começarei a acreditar que tenho direito a todo o “bônus” de viver em sociedade, sem ter que lidar com o “ônus” que isso gera. Diga-se de passagem, em tempos e em lugares diferentes, essa mesma crença estúpida, levada a níveis extremos, fez nascer ditadores sanguinários que se viram no direito de exterminar pessoas com aparências, preferências e pensamentos diferentes dos seus.

Uma outra característica que eu gostaria de tratar é o protagonismo. Permitam-me uma distinção entre o protagonismo como cidadão e como indivíduo. No conceito do “protagonismo cidadão”, temos todo o direito de manifestar opinião, respeitando, é claro, os princípios da tolerância mencionados anteriormente. Para mim isso significa ir para as ruas, vestir as cores que mais me agradam, conversar com os meus representantes nos Três Poderes, escrever para as “Seções de Leitores” de jornais e até tentar influenciar de modo educado e cordial as pessoas às quais tenho acesso. Mas o “protagonismo cidadão” deve parar por aí: a partir desse ponto cabe às nossas instituições nos representarem e, através do seu poder legítimo, garantir a continuidade do nosso país na mais perfeita ordem e com o devido respeito à Constituição.

O protagonismo que eu queria discutir aqui é o “outro”: o protagonismo de nossas vidas. Investir tempo, recursos, e muita energia, nas coisas que podemos controlar e que nos permitirão fazer a diferença no futuro. Estudo, carreira, saúde, segurança, formação, trabalho, lazer, aposentadoria, família. Só que, como sabemos, isso é custoso, vem com muita luta, dedicação e resiliência. E mais, como também sabemos, isso deve ser feito por cada um de nós, pois sabemos que ninguém (nem mesmo “o governo”) resolverá os nossos problemas nem conquistará as coisas por nós.

E o que isso tem a ver com o momento atual? É justamente nas horas mais difíceis, nas crises mais agudas, que precisamos manter o moral em alta, evitar grandes distrações com o que está fora do nosso controle e seguir investindo nos nossos projetos de vida. Agora é a hora de arregaçar as mangas, seguir sonhando, buscar o crescimento contínuo, pensar grande, ousar, empreender. Mas como fazer isso tudo se nossa preocupação maior está em brigar com o meu colega de trabalho porque a votação do impeachment não foi exatamente a que eu queria? Em outras palavras, como fazer para concentrar as energias e focar naquilo que verdadeiramente importa, se passo horas na frente da internet para brigar com gente que eu sequer conheço e criticar as opiniões de pessoas que eu nunca verei? Como fazer para construir um Brasil melhor se agora agrido meus compatriotas porque esses usam uma camiseta da cor que eu não gosto ou seguram cartazes com os quais eu não concordo? Ou ainda: como focar no que eu preciso para seguir com o meu projeto de vida, se passo horas questionando decisões técnicas e legais sobre as quais não tenho sequer o conhecimento necessário?

Reparem, não estou falando aqui sobre ser um completo alienado e deixar o nosso destino nas mãos de pessoas nas quais não confiamos, mas de procurar equilíbrio entre ser cidadão e cuidar da sua vida, concentrando energia nas coisas que dependem mais de nós. Estou falando em cobrar os nossos representantes, sobretudo os que receberam os nossos votos, de modo equilibrado e racional. E mais: em confiar nas nossas instituições, que atualmente demonstram ter maturidade e trabalhar com independência, preservando assim um dos pilares da nossa organização social (a independência dos Três Poderes).

É hora de trabalhar duro, investir no futuro, acreditar em si próprio, fazer planos. Para tirar o Brasil da situação difícil em que nos encontramos, mais do que nunca precisamos demonstrar tolerância com os nossos compatriotas e, ao mesmo tempo, agir como protagonistas, fazendo a nossa parte, antes de exigir que os outros façam a deles. E se quisermos investir tempo e energia para influenciar os nossos alunos, colegas, familiares, cônjuges, colegas de clube ou igreja, antes de entrarmos em uma disputa sem solução, que tal começarmos a pregar mais tolerância e protagonismo em defesa de um lugar melhor para todos nós?

(*) Rogério Melzi é presidente do Grupo Estácio

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