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Trote: como ajudar um colega nesta situação?

Por José Humberto de Góes Junior (*) | 26/01/2011 10:17

Por volta das 14h passava pelo semáforo da 706 Norte, Brasília, quando avistei dois colegas completamente pintados, cabelos descoloridos, dentes pintados com violeta, sem camisa, pés descalços no asfalto. Um deles se aproxima de mim e diz apenas: "Mecatrônica, UnB".

Esse parecia o artifício que o levaria, sem qualquer outro argumento, a alcançar o seu objetivo, ou seja, obter rapidamente a minha contribuição. Em lugar disso, no entanto, afirmei que não contribuiria por não concordar com aquela espécie de trote, e mais, seria dar a esta brincadeira de mal gosto as condições para que não cessasse.

Em complemento, perguntei por que aceitava aquele tipo de humilhação e apontei como necessário que os estudantes do curso se unissem contra trotes violentos como aquele. No ato, o menino, para responder a minha pergunta inicial, deu de ombros e completou a sua resposta não verbal com um simples: "Porque preciso".

Depois de uma breve pausa (tempo que precisava para pensar e mesmo fazer seu olhar refletir sua impotência diante dos fatos), completou: "Eles pegaram as minhas coisas e, para recuperar, eu vou ter que levar dinheiro. Estou aqui sem comer desde a manhã, estou com sede. Eles nos deram água de peixe para beber".

Mais uma vez, embora procurasse respeitar o colega, fui veemente e disse que ele não podia deixar que fizessem isso com ele. Que era preciso mudar aquela realidade. O menino insistiu: "Por favor...".

Entre os segundos da conversa e o esverdear do sinal, na minha cabeça se instalou um dilema: contribuir com o colega, e, junto com isso, contribuir para a permanência do trote, ou não doar e deixá-lo ali até conseguir o valor estipulado para a recuperação de seus pertences.

Diante da humilhação imediata e sem tempo para pensar, por um lado, queria indicá-lo a delegacia de polícia como saída, mas, por outro, sabendo que o direito penal não muda culturas e que o debate é elemento mais importante em situações como essas, resolvi contribuir com um valor irrisório, ademais de instigá-lo a produzir uma discussão pública na UnB sobre o tema.

Ainda não sei se o caminho adotado foi correto. O que sei é que do jeito que está não pode ficar, e que estudantes e gestão da UnB precisam reunir-se contra o trote violento. Não dá mais para propagar ritos de passagem que reverberam a cultura da humilhação, como se a universidade fosse um mundo tão especial que merecesse qualquer sacrifício da parte de quem a alcançasse, valendo a depreciação para, no futuro, depreciar.

(*) José Humberto de Góes Junior é estudante do Programa de Pós-Graduação em Direito em nível de Doutorado da UnB, advogado e educador popular; mestre em Direitos Humanos pela UFPB.

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