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Um amor de filho

Percival Puggina (*) | 09/10/2011 11:30

O costume de tratar as coisas públicas como se próprias e privadas fossem é um potente impulso genético orientando a conduta das elites brasileiras e atrapalhando, de inúmeros modos, a vida social e as atividades de Estado. Não há texto sério sobre história ou antropologia do Brasil que não trate disso. Uma das extensões naturais de tal conduta tende a transformar a família de quem exerce o poder em corte e o poderoso em monarca. Aliás, verdade cristalina: poucas coisas servem tanto à unidade familiar quanto as prerrogativas concedidas à caneta de algum de seus membros. Como bem descreve o antropolólogo Roberto da Matta em entrevista à Veja, muitos países vieram da mesma extração cultural e se livraram dela. No Brasil, entretanto, o patrimonialismo ainda é objeto de cultivo e reverência.

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, nos forneceu o mais recente exemplo disso ao empenhar-se, pessoal e decisivamente, na escolha da própria mãe para ocupar uma vaga no Tribunal de Contas da União. A respeitável senhora é portadora de inexcedíveis credenciais: é filha do ex-governador Miguel Arraes (fundador da dinastia que hoje dá as cartas e joga de mão em Pernambuco) e mãe do atual mandatário. Junto ao diploma de deputada federal, que lhe caiu no regaço materno como fruto do mesmo pomar do poder, agrega ela um título de bacharel em Direito conquistado na terceira idade, e dois cargos de confiança na Câmara dos Deputados e no Tribunal de Contas de seu estado natal. Pronto! Reuniram-se aí as condições essenciais para que dona Ana viesse a sentar-se entre os outros oito membros da elevada e seleta corte que julga as contas da República. Tudo muito republicano.

* Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Nada tenho contra o governador Eduardo Campos, a respeito de cuja gestão leio apreciações positivas. Mas é preciso ter deixado em algum canto da casa a noção de ridículo para apresentar a candidatura de mamãe, sair de seu gabinete e ir ao Congresso Nacional fazer a campanha dela para o TCU. O amor filial é coisa linda, mas os cargos públicos não são algo que se enrole para presente e se junte a outros mimos ofertados às mães em eventos familiares. O Tribunal de Contas da União podia passar sem essa. E o Congresso Nacional (posto que o Senado aprovará a indicação da Câmara entre aplausos destituídos de qualquer constrangimento) proporcionou à nação mais uma evidência de sua incapacidade de se erguer um milímetro acima dos lamentáveis padrões em que se movimenta e delibera.

Não estou dizendo que a decisão não foi política ou que foi ilegítima. Tudo andou “segundo os conformes” por quem detinha a prerrogativa constitucional de proceder à escolha: a maioria do plenário. Mas, convenhamos, a opção pela mãe do governador não atendeu nem de raspão o interesse nacional, que estaria muito melhor servido por alguém com mais crédito na conta das competências e menores débitos na conta dos favores recebidos.

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