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Um galo para Asclepius

Por Heitor Freire (*) | 07/12/2016 12:31

Sócrates, o filósofo ateniense, cujos preceitos influenciaram o pensamento ocidental de forma muito marcante e definitiva, tinha uma característica: não deixou escrito nenhum de seus ensinamentos. Seus discípulos Platão e Xenofonte se encarregaram de escrever e divulgar suas prédicas, que tinham como forma de transmissão a oralidade.

O filósofo tinha como fundamento o “Conhece-te a ti mesmo” (NOSCE TE IPSUM), dístico que ornava o frontispício do Tempo de Apolo na ilha de Delfos. A sua pregação encontrava uma grande resistência nos poderes constituídos de Atenas. Incomodava muita gente.

Na primavera de 399 a.C., três cidadãos atenienses, Meleto, Anitos e Licão instauraram um processo contra o filósofo. Acusavam-no de não venerar os deuses da cidade, de introduzir inovações religiosas e de corromper os jovens de Atenas. A gravidade das acusações era de tal ordem que exigia pena capital.

Sócrates reagiu com serenidade absoluta. Apesar de, durante o julgamento, lhe ser dada a oportunidade de renunciar às suas ideias, ele preferiu manter-se fiel à busca da verdade a assumir uma conduta capaz de torná-lo benquisto entre seus inquisidores. Segundo o relato de Platão, ele desafiou o júri com as seguintes palavras:

“Enquanto eu puder respirar e exercer minhas faculdades físicas e mentais, jamais deixarei de praticar a filosofia, de elucidar a verdade e de exortar todos que cruzarem meu caminho a buscá-la [...] Portanto, senhores [...] seja eu absolvido ou não, saibam que não alterarei minha conduta, mesmo que tenha de morrer cem vezes."

Sócrates ao ser condenado à morte bebendo a cicuta (veneno que lhe causaria a morte em poucos minutos) sentiu uma grande alegria. Pregava que o conhecimento está dentro das pessoas (que são capazes de aprender por si mesmas). E considerava que só existia um pecado: a ignorância. Dela derivam todos os outros. Sócrates era um sujeito de parrésia (que fala a verdade, sem medo da morte).

Ele considerava um privilégio saber o momento de sua morte. Seus discípulos, liderados por Críton, o mais ousado entre eles, planejaram a fuga de Sócrates mediante um plano bem elaborado.

Quando apresentaram a Sócrates esse plano, ele o recusou de imediato. Não queria saber de fugir. Queria aproveitar a oportunidade que a vida lhe concedia: saber o momento certo de sua morte.

Assim, quando chegou o momento, cercado por seus discípulos, todos chorando, deu-lhes uma reprimenda, não aceitava que aquele momento supremo, por ele assim considerado, fosse conspurcado por uma energia negativa.

- Que é isso, gente incompreensível? perguntou. Mandei sair as mulheres, para evitar esses exageros. Sempre soube que só se deve morrer com palavras de bom agouro. Acalmai-vos! Sêde homens!

Sócrates perguntou ao verdugo que lhe apresentava a taça com a cicuta, como seria o procedimento mais adequado. Este lhe disse que depois de beber da taça, deveria começar a caminhar pelo recinto e quando sentisse suas pernas dormentes, deitar-se porque o efeito do veneno iria subir pelo seu corpo.

E assim fez. Ao deitar-se, depois de um breve tempo, abriu os olhos e disse a Críton: “Eu devo um galo a Asclepius. Peço-lhe que pague por mim”.

Essa fala de Sócrates mostra muito bem a tranquilidade com que estava encarando esse momento supremo. Várias são as versões a respeito desse fato, mas o que quero destacar é a tranquilidade com ele encarou essa situação. E a responsabilidade de cumprir um compromisso.

No Fédon, Sócrates dá razões para crer na imortalidade. Quando foi condenado à morte,
comentou alegremente, que, no outro mundo, poderia fazer perguntas eternamente sem ser condenado a morrer, porque era imortal.

(*) Heitor Freire é corretor de imóveis e advogado

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